20 de Novembro – Dia da Consciência Negra

O Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares.

O Dia Nacional da Consciência Negra remete à figura de Zumbi dos Palmares

O Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares.

Por Me. Cláudio Fernandes

No dia 20 de novembro, é celebrado no Brasil o Dia Nacional da Consciência Negra. Essa data foi instituída oficialmente pela lei nº 12.529, de 10 de novembro de 2011, e remete ao dia em que foi morto o líder do Quilombo dos PalmaresZumbi, no ano de 1695. O Quilombo de Palmares situava-se na Serra da Barriga, na antiga Capitania de Pernambuco – hoje, integra o município de Unidão dos Palmares, no estado de Alagoas –, e foi formado por volta do ano de 1597 por escravos fugitivos das lavouras de cana-de-açúcar da referida capitania. A destruição desse quilombo foi efetuada por um grupo de bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. Esse mesmo grupo foi responsável pela morte de Zumbi.

O Dia Nacional da Consciência Negra é, portanto, fruto de uma reivindicação de um símbolo histórico (Zumbi). Essa reivindicação começou na década de 1970, quando o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, em congresso realizado em 1978, elegeu a figura de Zumbi como símbolo da luta e resistência dos escravos negros no Brasil durante o período de mais de 300 anos em que aqui vigorou o sistema escravocrata.

A exposição da figura de Zumbi começou sobretudo após a publicação dos primeiros livros a respeito da história do Quilombo dos Palmares, como O Quilombo dos Palmares (Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 3ed. 1966), de Edison Carneiro, e Palmares, a guerra dos escravos (Porto Alegre: Ed. Movimento, 1973), de Décio Freitas. Esses livros abriram importantes perspectivas de estudos sobre a presença africana no Brasil na época colonial e a situação dos negros africanos tanto como escravos como quilombolas. Essas pesquisas também acabaram servindo de apoio para o uso político-ideológico de Palmares e Zumbi como ícones da resistência à escravidão.

Esse uso refletiu-se, inclusive, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, elaboradas um ano após a Lei nº. 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e institui, em seu parágrafo 1º: “O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da história da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” Nas referidas Diretrizes, é sugerido no tópico “Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações”, o ensino da biografia de personagens como Zumbi e de outros negros que fizeram história no Brasil.

Entretanto, novas pesquisas realizadas dos anos 1990 para cá acabaram por demonstrar que o Quilombo dos Palmares não era exatamente um reduto de escravos fugidos que lutavam contra o regime escravocrata e a favor da libertação dos negros cativos da Capitania de Pernambuco. Ao contrário, Palmares foi um reduto poderoso de negros africanos que não apenas negociavam, quando conseguiam, trocas econômicas com os senhores de engenho, como também possuíam em seus domínios escravos negros, isto é, havia escravos no Quilombo dos Palmares. Isso se explica pelo fato de que muitos dos africanos trazidos para o Brasil pertenciam a reinos escravocratas na África. Esses reinos escravizavam membros de tribos e reinos rivais e vendiam-nos aos portugueses. Essa prática, em dada medida, foi seguida aqui no Brasil, nos quilombos, como ressalta o historiador José Murilo de Carvalho, em sua obra Cidadania no Brasil:

No Brasil, não havia como fugir da escravidão. Se é verdade que os escravos se distribuíam de maneira desigual pelo país, é também verdade que havia escravos no país inteiro, em todas as províncias, no campo e nas cidades. Havia escravos que fugiam e organizavam quilombos. Alguns quilombos tiveram longa duração, como o de Palmares, no nordeste do país. Mas a maioria dos quilombos durava pouco porque era logo atacada por forças do governo ou de particulares. Os quilombos que sobreviviam mais tempo acabavam mantendo relações com a sociedade que os cercava, e esta sociedade era escravista. No próprio quilombo dos Palmares havia escravos. [1]

Além desse apontamento de José Murilo Carvalho, há ainda as pesquisas detalhadas de um dos mais destacados historiadores que investigam esse tema, Flávio dos Santos Gomes, que, em sua obra De olho em zumbi dos Palmares: História, símbolos e memória social (São Paulo: Claro Enigma, 2011), destrincha o universo do Quilombo dos Palmares e debruça-se sobre a figura de Zumbi, mostrando a realidade da organização que esse líder comandou e o uso político-ideológico que fizeram de sua imagem a posteriori.

Nesse sentido, a despeito da importância que tem a luta contra o preconceito racial e do estudo e compreensão do passado escravocrata que tivemos em nosso país, é preciso se ater aos fatos e tomar cuidado com as falsificações históricas que tendem a construir mitos em vez de contribuir para o esclarecimento de nossa história. O Dia 20 de novembro, dia de um acontecimento histórico real, a morte de Zumbi, nesse sentido, serve-nos como uma data para refletir sobre esses usos do passado.

NOTAS

[1] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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