A cinderela que não foi feliz para sempre

Eu me recordo até hoje dele olhando no fundo dos meus olhos diante de tantas testemunhas e dizendo

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A CINDERELA QUE NÃO FOI FELIZ PARA SEMPRE

Por Rodrigo Santana – Sexta, 24 de janeiro de 2020

Eu me recordo até hoje dele olhando no fundo dos meus olhos diante de tantas testemunhas e dizendo: “Prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe.” Já faz muito tempo que esse juramento foi banalizado pelos homens. O príncipe encantado que eu amava na minha adolescência não agradava aos meus pais.

Naquela época eu não compreendia por que os meus pais reprovavam o Matheus se ele era tão bom para mim. Os meus pais diziam que o Matheus era de uma raça ruim, diziam que ninguém da família Oliveira nunca conseguiu ser alguém importante na vida, diziam que pelo fato do pai dele beber, ele também seria um bêbado que viveria pelas ruas com a boca lambida pelos cachorros e que eu só iria sofrer naquela relação, diziam que a mãe dele era barraqueira e que iria meter a colher nas brigas que tivéssemos e sempre iria ficar do lado do filho. Os meus pais não convidavam o Matheus para as viagens que fazíamos em família nas férias e me proibiam de usar o celular para eu não ficar conversando com ele. Os meus tios e primos passavam pelo Matheus pela rua e fingiam que não o viam para não falar com ele. Essas atitudes começaram a incomodar o Matheus e lembro-me até hoje o seu olhar de aflição ao me perguntar: “O que foi que eu fiz para merecer passar por isso?” Eu só conseguia chorar e ficar em silêncio por que eu também não compreendia, mas hoje eu sei que a única coisa que incomodava a minha família era o fato do Matheus ser pobre! Depois de um ano vivendo sob esse tormento, nós decidimos terminar a relação. Esse foi o dia mais triste da minha vida!

Alguns meses depois a minha família começou a convidar o Lucas para viajar conosco para as férias. O que é estranho nessa história é que ele nunca foi um vizinho tão intimo da minha família para ter este convite, na hora do almoço todos os meus familiares começaram a dizer que eu e o Lucas fazíamos um lindo casal. E eu senti raiva por perceber que ninguém respeitava os meus sentimentos que ainda existiam sobre o meu grande amor Matheus. Quando menos atenção eu dava para o Lucas, mais a minha família me tratava mal, tomava o meu celular, não deixava eu ir ao aniversário das minhas amigas, me proibia de sair do quarto até para o almoço em família nos finais de semana. Daí eu fiz a Deus a mesma pergunta que o Matheus me fez naquele dia: “ O que é que eu fiz para merecer passar por isso?”. Acontece que eu já era madura o suficiente para saber a resposta. O príncipe encantado que os meus pais sonharam para mim era o Lucas por que era filho de rico, formado em Medicina.

Eu achava ele feio por dentro e por fora, ele era arrogante com os pacientes do hospital e contava essas coisas dando risada, ele não falava mais com os amigos de infância por que os considerava pessoas medíocres e todas as suas ex-namoradas foram traídas. Eu falei tudo isso aos meus pais, mas eles diziam que eu estava exagerando, que ele era um bom menino e que no futuro eu iria agradecer a eles por terem arranjado esse namoro para mim.

Um dia eu me cansei de brigar com os meus pais e ser castigada por eles e aceitei o namoro com o Lucas, Matheus quando soube do namoro não conseguiu acreditar na notícia. Um ano depois eu e o Lucas noivamos, eu engravidei e eu dei a luz a Ana Júlia até aí estava tudo indo bem, mas depois que casamos e eu saí de casa para morar com ele, a minha vida virou um verdadeiro inferno. Ele era o oposto do que jurou na casa de Deus. Me traia todo final de semana, me abandonava com Ana Júlia e ia curtir festas com os amigos em outras cidades e quando eu desabafava com a minha família, eles diziam que eu estava exagerando, que toda madame que eles conheciam tiveram que engolir sapo para estarem ao lado de quem estão. Eu entrei em depressão e não conseguia ver o menor sentido na minha existência ao lado de uma pessoa que nunca me amou. Apenas queria ter um sexo garantido em casa. Um dia ele pegou sífilis com uma puta do brega 69 e passou para mim, pois apesar de tudo, eu confiava que ele usava preservativo quando se envolvia com as mulheres na rua. Quando eu decidi me divorciar, os meus pais disseram que se eu fizesse isso não me aceitariam de volta na casa deles, eu soube por meio de um amigo que o Matheus foi embora para São Paulo trabalhar com o tio e disse que nunca mais retornaria naquela cidade. Eu desejava a morte todos os dias e só não me suicidei por que não tinha coragem e me preocupava muito com Ana Júlia. Se eu tivesse desafiado os meus pais e ido embora com Matheus a gente iria estar vivendo feliz! Mesmo que fosse num cantinho alugado tendo o básico, mas agora é tarde para sonhar com um passado que não volta mais, eu também não tenho coragem de largar tudo e ir embora com Ana Júlia atrás do Matheus por que eu não sei qual a reação dele, ele até já pode ter casado com outra pessoa e eu não suportaria ouvir essa notícia. Então eu decidi ficar com o Lucas até que um dia, ele me disse que não me queria mais, mas me deixaria com a casa para cuidar de Ana Júlia e foi embora para morar em outra cidade por que achou uma oportunidade de emprego lá, mas um amigo meu me disse que ele foi por que estava namorando uma menina de 18 anos que ele conheceu pelo Tinder. Ana Júlia cresceu e foi embora para Salvador estudar e eu fiquei aqui sozinha nessa casa. As vezes eu sonho namorando com o Matheus e acordo contente para o mais comum é lembrar do mal que o Lucas causou na minha vida e fico deprimida com tanto desgosto que eu passei nessa casa ao lado daquele infame.

Citação da obra: “Dores do Mundo” de Artur Schonpehauer:

O amor não está só em contradição com as relações sociais, mas também o está muitas vezes com o temperamento íntimo do indivíduo, quando se fixa sobre pessoas que, fora das relações sexuais, seriam odiadas pelo amante, desprezadas e mesmo aborrecidas. Mas a vontade da espécie tem tal poder sobre o indivíduo, que o amante cala as suas repugnâncias e fecha os olhos ao que ama: passa ligeiramente sobre tudo, desconhece tudo, e une-se para sempre ao objeto do seu amor, de tal modo o fascina essa ilusão, que se desvanece logo que a vontade da espécie se encontra satisfeita e deixa para atrás de si uma companheira detestada para toda a vida. Só deste modo se explica como homens sensatos e mesmo distintos, se unem a harpias e desposam megeras, e não compreendem como puderam fazer semelhante escolha. Eis por que os antigos representavam o amor de olhos vendados.



 

Rodrigo Santana Costa é escritor de poesias, contos e reflexões filosóficas

 

 

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