Ações de maconha são o novo barato nos EUA e no Canadá; veja como investir

Em crescimento, setor desponta entre investidores, mas requer atenção a questões regulatórias, comportamentais e penais, além do risco da volatilidade em mercado estrangeiro

Getty Images

Por Rafael Gregorio, Valor Investe 

O novo barato nos investimentos nos Estados Unidos e no Canadá são as ações de maconha.

A onda verde começou em 1996, quando a Califórnia aprovou o uso para fins medicinais. Dois anos depois, o Canadá foi o segundo país do mundo (depois do Uruguai) a liberar o uso recreativo.

Nos Estados Unidos, diversos Estados seguiram o exemplo californiano. E, em 2012, Washington e Colorado deram um passo além e legalizaram o uso recreativo. Hoje, 31 entre 50 Estados do país, mais Washington D.C., permitem o uso medicinal, e nove aceitam o recreativo.

E, com a aprovação à legalização por 62% dos americanos, segundo o centro de estudos Pew Research, parece ser questão de tempo para cair a proibição no âmbito federal.

No embalo, surgiram muitas empresas produtoras, e algumas cresceram a ponto de abrirem capital. Hoje há mais de cem companhias do setor com ações listadas em bolsa, além de um sem-número de especulados IPOs. A maioria desses papéis são negociados no mercado de balcão, mas alguns circulam em bolsas.

A primeira companhia do ramo a fazer IPO (oferta inicial de ações) na Bolsa de Nova York (NYSE) foi a Innovative Industrial Properties (IIPR), em 2016. Hoje, há ao menos dez empresas afins na NYSE.

Já a canadense Cronos Group (CRON), de biotecnologia, foi a primeira a ter ações, em 2018, na bolsa digital NasdaqJá são 15 empresas de maconha por lá, como:

  • Arena Pharmaceuticals, Inc. (ARNA), firma americana de biotecnologia que produz remédios;
  • Marrone Bio Innovations Inc. (MBII), empresa que cria pesticidas e outros defensivos;
  • New Age Beverages Corp. (NBEV), companhia de bebidas focada em produtos à base de canábis, como chás, refrigerantes e kombuchas;
  • Village Farms International (VFF), firma tradicional de horticultura que recentemente aderiu à maconha.

O faturamento no segmento deve saltar de atuais US$ 10 bilhões (R$ 41,3 bilhões) para US$ 31,3 bilhões (R$ 129,5 bilhões) em 2022 – a estimativa é dos institutos ArcView e BDS Analytics.

Outra firma, a Grand View Research, estima US$ 66,3 bilhões (R$ 274,4 bilhões) até 2025, ano em que, no mundo todo, a indústria deve girar US$ 166 bilhões (R$ 690 bilhões), segundo a Euromonitor International.

Na América do Norte, nasceram sites especializados em investimentos em canábis, e consultorias divulgam manuais sobre como investir. Há também gestoras, investidores-anjo e fundos de venture capital para o segmento, e existe até um Instituto Nacional para Investidores em Canabis (NICI, na sigla em inglês).

E multiplicam-se, claro, relatos de gente que ganhou muito dinheiro. Como Bart Mackay, um advogado de 57 anos de Las Vegas que, no papel, foi o primeiro bilionário das ações de maconha.

Pense bem, estude melhor ainda

Mas nem tudo são flores – sem trocadilho. As ações dessas empresas têm alta volatilidade, graças a razões como variações na oferta e na demanda e riscos associados a proibições de governos.

Desde 2016, por exemplo, o Marijuana Index – índice que reflete o desempenho de 47 ações de empresas americanas e canadenses com capitalização superior a US$ 30 milhões e giro diário acima de US$ 600 mil – subiu 103,5%. No período, o S&P 500, principal índice da NYSE, subiu 41%.

Observando-se apenas o último ano, porém, o índice caiu 47,59%, enquanto o S&P 500 subiu 3,67%.

Mas mesmo este revés pode significar oportunidades: nos EUA, especialistas têm identificado na atual baixa uma oportunidade para começar a investir em ações de canábis.

Dicas para começar

Especialistas sugerem cuidados antes de pôr dinheiro nesse tipo de ação. O primeiro é meio subjetivo: faz sentido para seu perfil apostar nisso?

Quem pergunta é Fábio Gallo, professor de finanças da FGV-EAESP, e ele mesmo responde:

“Muita gente é contra queimadas na Amazônia, mas tem ações de empresas que fomentam isso. Ou é contra o aborto, mas investe em laboratórios que vendem pílulas”.

Também é essencial estudar o mercado. Algumas dicas de Gallo e outros especialistas:

Entenda a terminologia
Entender os modelos de negócio requer aprender alguns termos. Por exemplo, você sabe o que é o canabidiol? Ou quais os princípios ativos na maconha medicinal e na recreativa?

A gente ajuda: o canabidiol, ou CBD, compõe até 40% das plantas e é remédio para doenças, da epilepsia à fibromialgia – há experimentos para Alzheimer. O CBD não dá barato, como o tetrahidrocanabinol (THC), embora pesquisas indiquem que não é possível obter efeitos medicinais sem combinar os dois.

Como esses, há dezenas de outros termos e conceitos a entender antes de abrir a carteira; estude.

Entenda os riscos
Conheça o local em que a companhia opera, e em que produtos. Por exemplo: investir em firmas que produzem para uso recreativo requer ter em mente que só nove Estados americanos o autorizam. Esse número está para aumentar? Ou, do contrário, pode ser reduzido caso mudem os governantes?

Mesmo na maconha medicinal, é preciso avaliar os critérios locais para requisição dos remédios, que podem ser mais ou menos restritivos – isso influencia o potencial da empresa.

Além disso, ações negociadas em mercado de balcão, não em bolsa, obrigam o investidor a ser mais proativo na busca por informações contábeis e de compliance, por exemplo.

Diversifique
A regra de ouro para investir em ações – em quaisquer ações – é não por todos os ovos em uma só cesta. E isso vale para a maconha: colocar dinheiro em uma ou duas empresas pode significar perder tudo.

Também é importante diversificar dentro da indústria: há firmas que produzem remédios, droga recreativa (de cigarros a óleos), defensivos agrícolas e softwares, além de um crescente segmento de bebidas.

Comece pequeno
É importante começar com proporção pequena do portfólio – 5% a 10%, segundo os especialistas.

Mas como brasileiros podem investir nisso?

Esse investimento no exterior pode se dar por duas vias: comprando ações das empresas ou adquirindo cotas de ETFs (Exchange Traded Funds, ou fundos negociados em bolsa) que investem em companhias do segmento.

Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, que tem escritórios em Nova York, São Paulo e Porto Alegre, traça um mapa para o brasileiro acessar esses ativos.

“Uma maneira é na pessoa física. Digamos que você tem R$ 1.000 no Brasil. A primeira coisa é abrir uma conta numa corretora no país”, diz.

“Depois, fecha um câmbio, gera US$ 250 na corretora, acessa o home broker e compra os ativos.”

Outra opção, ele diz, é abrir uma empresa em um paraíso fiscal – as chamadas ‘offshores’. Mas essa vale para investidores com mais volume de recursos, dados os custos de criação e manutenção dessas companhias.

Cantreva explica: “Digamos que o dono da offshore tenha R$ 100 mil. Fecha câmbio, transforma em US$ 25 mil na conta da empresa. Depois, a offshore transfere para a corretora estrangeira, e a partir daí é igual.”

Via pessoa física ou jurídica, o trâmite nas corretoras – que cobram taxas por ordens de compra ou venda – está se transformando graças à tecnologia, explica Roberto Lee, CEO da Avenue Securities, em Miami.

“Como funcionava: o cara tinha que vir aqui nos EUA, ia a uma agência da corretora, fazia um ‘cara-crachá’, abria uma conta também em um banco, fazia a remessa financeira. Os ‘spreads’ (taxas) eram caros.”

Essa dinâmica, diz Lee, acabava afugentando o pequeno investidor, ainda que instituições brasileiras, como Itaú e Bradesco, tenham escritórios nos EUA há décadas.

“Agora”, compara, “para abrir conta, precisa de CPF, RG e comprovante de residência no Brasil. Cinco minutos. E a remessa de valor aparece na plataforma em 90 segundos, enquanto no passado levava dias.”

Não há um mínimo para investir; segundo Lee, a automação vem reduzindo custos e permitindo serviços mais acessíveis ao varejo. “Tem gente que abre conta com US$ 10. Mas o público-alvo tem depositado entre US$ 15 mil e US$ 20 mil. E tem ações que custam US$ 1.800, mas é possível comprar frações dela.”

Esse investimento, ele ressalva, requer apetite para risco: “É para quem tolera perdas agressivas, inclusive do principal”.

Estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves detalha como ETFs podem mitigar esse risco. “Todo setor nascente enfrenta dificuldades. O da canábis se assemelha ao da tecnologia 20 anos atrás: quantas empresas como o Google morreram? É difícil saber qual vai ser bem-sucedida.”

Ele cita o ETF Alternative Harvest (MJ), com patrimônio de quase US$ 1 bilhão (US$ 932,62 milhões) em 36 empresas. “Com um único ativo – a cota do ETF –, o investidor se expõe a todo o setor em que acredita.”

Conheça outros famosos ETFs de canábis, seus códigos de negociação e volumes de capitalização:

  • AdvisorShares Pure Cannabis ETF (YOLO) – US$ 55,54 milhões
  • Cannabis ETF (THCX) – US$ 20,91 milhões
  • AdvisorShares Vice ETF (ACT) – US$ 12,59 milhões
  • Cambria Cannabis ETF (TOKE) – US$ 8,54 milhões
  • Amplify Seymour Cannabis ET (CNBS) – US$ 5,33 milhões

Lee faz outra ressalva: investir no exterior implica seguir a lei estrangeira. “Se houver desentendimento, as arbitragens serão nos EUA. Todo o conhecimento regulatório que temos do Brasil, nesse caso, não vale.”

Ainda assim, ele relata grande crescimento nas demandas de brasileiros por ações de canábis. “São 30 a 40 telefonemas todos os dias. O volume financeiro é residual, mas a quantidade de ordens é violenta.”

Cantreva, da Portofino, também relata maior procura por ações nos EUA, não só de maconha. “Os juros em baixa e as opções limitadas no Brasil fazem as pessoas buscarem alternativas, como Apple ou Uber.”

E investir em maconha pode ser crime?

Sócio de direito penal empresarial no escritório Mattos FilhoRogério Taffarello diz que tanto a lei nacional quanto as do Canadá e dos Estados americanos onde a maconha é legal tornam sem sentido um brasileiro ser punido por investir nessas ações.

“Um dos pressupostos do direito internacional para punição é a conduta ser crime nos dois lugares, ou seja, no país de onde a pessoa investe e naquele no qual é feito o investimento”, diz o advogado.

Também sócia do Mattos Filho, mas da área de life sciences e saúdeAna Cândida Sammarco acrescenta um aspecto regulatório: fundos têm ainda mais resguardo do que ações.

“Haveria uma proteção adicional, pois os investidores não elegem quais ativos serão investidos; essa é atividade do gestor”, explica a advogada.

Consultado pelo Valor InvesteArthur Pinto de Lemos Júniorpromotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim) do Ministério Público de SP, concorda:

“Considerando que o investimento ocorra no exterior, em países com o respaldo legal, não verificamos problemas penais”.

Ainda assim, Taffarello ressalva que há, sim, um risco residual de dor de cabeça no âmbito criminal, e o investidor deve estar ciente. Primeiro, ele diz, porque os crimes na Lei de Drogas (11.343/06) são “tipos penais abertos”: previsões pouco específicas, pela dificuldade de antever novidades como essa.

Outro risco é o de leituras distintas por parte de agentes policiais e do Ministério Público, que têm autonomia para formarem suas próprias convicções sobre casos e pessoas.

Piora a situação, diz, “um preconceito com a relação das pessoas com psicoativos”, ainda que avancem no Brasil debates sobre o uso medicinal – está em fase final na Anvisa uma consulta sobre uso terapêutico.

A advogada Ana Cândida acrescenta que vê entre sua clientela “muitas empresas interessadas em investir em canábis no Brasil. “Para algumas doenças, é a única alternativa terapêutica, e tem muita gente que precisa disso para sobreviver. É preciso pensar nesse assunto com mais carinho”, ela diz.

Enquanto persiste a resistência, dizem, quem investe em maconha no exterior deve ter em mente a chance – ainda que irrisória – de ser alvo de um inquérito ou de uma ação penal por crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas ou apologia ao tráfico, ainda que ao final resultem em absolvições.

Aviso:
Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do IpiraCity. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ou direitos de terceiros.
Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.