Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, deputado reeleito na última eleição vive sob escolta policial devido a assédio crescente
HELOÍSA MENDONÇA
O deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ) anunciou, nesta quinta-feira, que não irá assumir o novo mandato por ter recebido várias ameaças de morte nos últimos meses e que agora teme pela própria vida. Em sua conta no Twitter, Wyllys agradeceu o apoio dos eleitores e afirmou que preservar sua integridade também é uma forma de luta. “Fizemos muito pelo bem comum. E faremos muito mais quando chegar o novo tempo, não importa que façamos por outros meios! Obrigado a todas e todos vocês, de todo coração. Axé!”, escreveu.
O post foi publicado após a Folha de S. Paulo publicar uma entrevista em que o parlamentar revelou que deixaria o cargo público e o Brasil após sucessivas ameaças. Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março do ano passado, o parlamentar vive sob escolta policial.
Caso assumisse, esse seria seu terceiro mandato parlamentar consecutivo, em que se elegeu com pouco mais de 24.000 votos. Wyllys foi o primeiro parlamentar assumidamente gay a encampar a causa LGBT no Congresso. A vaga deixada por ele será assumida por David Miranda (PSOL-RJ), segundo o site da Câmara dos Deputados. Miranda também tem a pauta LGBTI+ como causa de atuação.
Em entrevista à Folha, Wyllys disse que pesou em sua decisão as informações que familiares de um ex-PM suspeito de chefiar a milícia investigada pela morte de Marielle trabalharam para o senador eleito Flávio Bolsonaro durante seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro. “Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário”, disse ao jornal. “O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”, acrescentou.
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O parlamentar disse ainda que desde que Jair Bolsonaro foi eleito, o nível de violência contra ele e as minorias aumentou. Wyllys foi um dos maiores rivais de Bolsonaro na Câmara federal e o confrontou diretamente quando o agora presidente eleito homenageou o coronel Brilhante Ustra, torturador de Dilma Rousseff na ditadura, durante a votação do impeachment dela, em 2016. Após a fala de Bolsonaro, Wyllys cuspiu em direção a ele.
As ameaças sofridas nos últimos tempos por Wyllys fizeram com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitasse ao Governo brasileiro que tomasse medidas para proteger a sua vida e investigasse as ameaças. “A decisão da CIDH é uma reação da comunidade internacional à inação do Estado brasileiro diante de uma situação que tem se prolongado no tempo e que, no último ano, agravou-se muito”, disse o parlamentar ao EL PAÍS em dezembro do ano passado.
A decisão de abrir mão do cargo foi respaldada pelo PSOL. Segundo Wyllys disse ao jornal, o partido reconheceu que ele se tornou um “alvo”. Seu correligionário Marcelo Freixo afirmou, no Twitter, que a escolha do parlamentar deixar o Brasil é sintoma “deste tempo sombrio em que o ódio tomou a política”. “Jean continuará a militância. E nós daremos continuidade a suas lutas no parlamento”, postou.
Dezenas de figuras públicas também publicaram mensagens de apoio ao parlamentar nas redes sociais. Marina Silva, ex-candidata à Presidência pela Rede, disse que independentemente de divergências políticas, a gravidade desse fato exige que a vida de quem é ameaçado seja protegida. “Chico Mendes sofreu deboche e foi assassinado. Marielle também. É lamentável que o deputado Jean Wyllys tenha que abrir mão do seu mandato por sofrer ameaça de morte”, escreveu no Twitter. O parlamentar pretende se dedicar à vida acadêmica, investindo em um mestrado, mas não revelou para onde pretende ir.
Logo após o anúncio de Wyllys nesta quinta-feira, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, escreveu no Twitter: “Vá com Deus e seja feliz!”. Já Jair Bolsonaro, após dizer que estava voltando de Davos, na Suíça, publicou na rede social “Grande dia!”. Muitos internautas interpretaram as mensagens como uma referência à decisão de Wyllys e repercutiram nas redes.
Os dois políticos então postaram novamente no Twitter mensagens que desmentiam tal interpretação. “Fake News! Referi-me à missão concluída, reuniões produtivas com Chefes de Estado, voltando ao país que amo, Bolsa batendo novo recorde na casa dos 97.000 e confiança no nosso país sendo restabelecida, isso faz de hoje um grande dia! “, escreveu o presidente. Já o filho Carlos publicou: “PSOL já teve político e ex-filiado cuspindo e dando facada em Bolsonaro, mas quando leem ‘Grande dia’ em seu Twitter já se consideram vítimas perseguidas. Entendemos!”.
Fonte: www.brasil.elpais.com