Ao estilo Moro: espionagem e ações de extorsão para perseguir Cristina Kirchner

O juiz federal Alejo Ramos Padilla processou o falso advogado Marcelo D’Alessio como integrante de uma associação ilícita “dedicada a realizar operações de inteligência e ações psicológicas contra várias pessoas que logo eram extorquidas ou coagidas, até entrarem em pânico, para que finalmente declarassem de uma determinada forma e se tornassem “testemunhas arrependidas”, a versão argentina dos “delatores premiados” tão comuns na Operação Lava-Jato brasileira.

 

O juiz federal Alejo Ramos Padilla processou o falso advogado Marcelo D’Alessio como integrante de uma associação ilícita “dedicada a realizar operações de inteligência e ações psicológicas contra várias pessoas que logo eram extorquidas ou coagidas, até entrarem em pânico, para que finalmente declarassem de uma determinada forma e se tornassem “testemunhas arrependidas”, a versão argentina dos “delatores premiados” tão comuns na Operação Lava-Jato brasileira.

O ponto chave desse caso é que o juiz considera que existe uma comunhão entre os serviços de inteligência e a Justiça que atentam contra o sistema democrático utilizando extorsões, coações, dossiês, causas distorcidas e advogados falsos exigir dinheiro a cidadãos, e mais que isso, para armar e dirigir causas judiciais.

Tudo muito similar ao esquema judicial realizado no Brasil pelo ex-juiz Sergio Moro (hoje recompensado com o cargo de ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro), a respeito das propinas ligadas à multinacional Oderbrecht, que teve como fim levar à prisão o ex-presidente Lula da Silva e impedir que ele participasse das eleições. No caso argentino, o que se se busca é a prisão da ex-mandatária Cristina Fernández de Kirchner, para impedir que seja a adversária do atual presidente Mauricio Macri, que buscará sua reeleição em outubro.

Nas 220 páginas de sua resolução, o juiz Ramos Padilla demonstrou que há vínculo próximo entre o promotor Carlos Stornelli (espécie de Deltan Dallagnol argentino) e o suposto advogado D’Alessio, o que ficou evidente pelos numerosas mensagens e áudios que trocam por whatsapp, e por uma reunião de quatro horas que tiveram no balneário de Pinamar, além de escritos à mão em cadernos confiscados nas diligências. Por isso, o magistrado pediu à Procuradoria que investigue o promotor, e que inicie o devido processo, se considera pertinente.

Nesta primeira resolução, a tarefa é descrever os mecanismos do delito, como a forma como Stornelli e D’Alessio extorquiram o empresário rural Pedro Etchebest, ou como usaram uma câmera oculta contra o advogado José Manuel Ubeira, ou utilizaram o “testemunho arrependido” de Leonardo Fariña, ou coagiram um ex-funcionário da estatal venzuelana PDVSA para declarar como arrependido.

Apesar da negativa de Stornelli em entregar seus telefones celulares, para que se pudesse determinar a frequência e a índole de seus contatos com D’Alessio – que é sobrinho do escrivão geral do governo, Carlos Marcelo D’Alessio – apareceu um terceiro empresário denunciando D’Alessio por extorsão, e envolvendo o advogado Rodrigo González e o operador judicial do diário Clarín, Daniel Santoro, embora os dois novos acusados tenham negado a acusação.

O lugar de reunião dos quatro (Stornelli, D’Alessio, González e Santoro) foi o restaurante El Obrero, decorado com fotos do presidente Macri. Seu proprietário é sócio, em outro empreendimento, de Charly Liñani – denunciado pelo ex-secretário presidencial Pablo Barreiro (governo de Cristina Kirchner) por tentativa de extorsão, a que teria cometido junto com D’Alessio e González, segundo revelou o jornalista Horacio Verbitsky em seu site Cohete a la Luna.

Nas mensagens e nos áudios também aparecem tentativas de utilizar Leonardo Fariña, forçando-o a realizar as declarações que necessitam em alguma causa para incriminar Cristina. Fariña se apresentou espontaneamente no tribunal, e contou que D’Alessio ofereceu a ele participar da extorsão contra Etchebest. A denúncia foi apresentada à Justiça.

N expediente judicial aparecem vários áudios nos quais, também mediante um plano extorsivo, vislumbram a possibilidade de incluir o empresário Mariano Martínez Rojas, responsável pelo estelionato contra os trabalhadores do diário Tiempo Argentino e que pretendia desmantelar o meio, que hoje funciona como uma cooperativa de jornalistas. A chantagem envolvendo Martínez Rojas visava fazê-lo testemunhar contra o governador peronista da província de Formosa, Gildo Insfrán.

A operação para transformar outro executivo em testemunha arrependida – Gonzalo Brusa Duvat, que trabalhou na filial da empresa estatal petroleira venezuelana PDVSA na Argentina – tem as mesmas características. Duvat foi ameaçado com uma causa judicial penal econômica, mas garantiram que o processo desapareceria dos arquivos se ele aceitasse declarar como “arrependido” de Stornelli.

Uma vez que foi abrandado com a ameaça da causa e contra si, D’Alessio e o jornalista do diário Clarín, Daniel Santoro, publicaram notas jornalísticas sobre a declaração de Duvat como arrependido, a qual foi anunciada com pompa e circunstância, em dezenas de áudios e mensagens de whatsapp. O juiz sustenta que o papel exato de Santoro e de outros jornalistas envolvidos ainda deve ser analisado.

O que surpreendeu os analistas é que D’Alessio conseguiu se integrar à equipe de investigação Stornelli, um promotor da República, sem ser advogado e sem ter registro para trabalhar na Procuradoria. Os outros assessores do promotor logo entregaram uma cópia da declaração que D’Alessio enviou posteriormente a outro jornalista conservador, Eduardo Feinman – uma situação no mínimo insólita, além de inédita.

Outra surpresa foi a transcrição feita pelo magistrado de um grampo telefônica de 4 de fevereiro, no qual o falso advogado fala com uma pessoa identificada como Andrés Goldemberg: “estou à sua disposição, se é preciso extrair alguém”. Inclusive, menciona que está em condições de conseguir um avião de 14 assentos para realizar a operação.

“Me levam (as provas) ao convencimento de que ao menos dentro do seu cargo na Procuradoria, houve uma atuação (de Stornelli) promíscua, gerando relações de cumplicidade e mútua colaboração que não deveriam ser permitidas, com a anuência do promotor, incluindo a realização de operações de inteligência e ações psicológicas para se alcançar os resultados esperados nas investigações judiciais, ou para atender o próprio magistrado”, descreveu o juiz.

Rubén Armendáriz é jornalista e cientista político uruguaio, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

*Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli


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