AS CONFISSÕES DO PASTOR MATIAS 

         Eu espero apenas que estas confissões só sejam divulgadas quando eu já estiver partido dessa para uma melhor… Ou será para uma pior? É melhor não ater tantos pensamentos em torno dessa questão, apesar de que eu considero curioso o fato de que só nesta idade e situação em que me encontro, pois fui desenganado pelo o médico, é que questionamentos como esse passaram a ter espaço em minha cabeça. Sendo que eu não sei dizer se é por maturidade, sentimento de culpa ou medo de que eu esteja enganado sobre o que eu sempre pensei a respeito da existência de Deus.

          Estando eu com a idade de trinta anos, fiz-me pastor da igreja Jesus é o caminho. Eu precisava de dinheiro e as propostas de trabalho que eu encontrava naquela época não me davam o suficiente para arcar com minhas despesas. Sendo que é entre a adolescência e a idade adulta que o ser humano se sente o deus de todos os desejos que devem ser realizados, pois ao passar dessa fase a gente se torna um contador de histórias para os nossos filhos e netos, todavia eu nunca contei a nenhum deles o que agora eu vou relatar. 

           Nos meus cultos era feito uma espécie de lavagem cerebral nos fieis. Primeiro era preciso fazê-los acreditar que em nenhum outro lugar além do templo onde eu pregava, era possível encontrar a verdade. Então eu pesquisava muito para encontrar as falhas dos outros sistemas de crença e aponta-los como falsas casas de Deus e quando não encontrava muita coisa convincente em alguns desses sistemas de crença, eu deturpava os dogmas ou demonizava os seus rituais e os fiéis acreditavam em tudo o que eu dizia por que eram pessoas pobres, muitos eram analfabetos funcionais, tinha também gente sem estudo que veio da zona rural morar na cidade. Então era fácil convencê-los de qualquer coisa, pois eles me viam como o porta-voz de Deus na terra. Eu fazia isso sem sentir o menor remorso por que eu sempre fui ateu. Então para mim era até divertido brincar de pastor que fazia o que queria com as suas ovelhas cegas. Segundo era preciso manipula-los a acreditar que as bênçãos de Deus só eram possíveis de ser alcançadas por meio da troca, ou seja “é dando que se recebe”. Era muito dinheiro que entrava na igreja e o pastor José que me auxiliava não tinha como saber o que era arrecadado por dia, pois ele tinha outros compromissos. Então se arrecadasse mil reais, eu tirava quinhentos e ia curtir a vida frequentando bregas que tinham em cidades distantes de onde eu pregava. Terceiro era preciso mercantilizar a salvação. Aqui era onde o dinheiro mais entrava por que diante da aflição de uma pessoa por estar doente, ela daria todas as economias em troca de palavras que garantissem que Jesus Cristo a esperava de braços abertos no paraíso. E foi aí que eu criei a chave da porta do céu. Era uma chave feita de bronze que se a pessoa comprasse. Agora era só aguardar o chamado de Deus para ir abrir a porta do paraíso. Esta chave custava quinhentos reais e eu conseguia vender uma ou duas a cada mês. Era um trabalho fácil e extremamente lucrativo. Até que um dia desses, eu tive um sonho em que entes queridos meus vestidos de branco me observavam com olhar de reprovação e um homem também de branco veio perto de mim e emitiu uma mensagem que soou dentro da minha cabeça: “Ai daquele que fizer mal a um de meus pequeninos”. E depois apareceu em minha tela mental a capa de um livro cujo título era: “Homoafetividade – O Segredo Perdido do Eden” de um autor chamado Jan Val Ellam e uma voz em minha cabeça dizia: “leia e a verdade vos será revelada”. E depois daquela noite, todos os dias estas palavras voltam a soar em meus pensamentos e eu estou com muito medo de realmente existir alguma coisa depois da morte, pois eu fiz muitos fieis perseguir e odiar os LGBTT+. Só que depois de ler a obra, eu vi que não há nada errado com estes irmãos e irmãs.   

Rodrigo Santana Costa é professor e escritor. Publicou a obra: “Clarecer” em verso e prosa.          

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