Os rumos de uma era pós-Bolsonaro

Não, ainda não é cedo demais para começarmos a falar disso. As forças que lutam por um mundo menos desigual sempre caminham passos atrás da elite econômica responsável pela manutenção do sistema.

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 Por Iago Gomes

Não, ainda não é cedo demais para começarmos a falar disso. As forças que lutam por um mundo menos desigual sempre caminham passos atrás da elite econômica responsável pela manutenção do sistema. Quando ainda acreditávamos na salvação do país por meio de uma unidade progressista nas eleições de 2018, os setores empresariais sentavam com Paulo Guedes, atual ministro da economia, para negociar pontos da Reforma da Previdência, que veio a ser aprovada essa semana, e outras possibilidades de ganhos com a vitória desenhada de Bolsonaro nas urnas. Precisamos falar do amanhã também, e isso requer um esforço maior que um texto solitário e mais concreto que profecias forjadas em meio ao medo do futuro, mas uma consciência política necessária para não seguirmos repetindo os equívocos que aquilo que se convenciona chamar de esquerda ainda comete.

O resultado das eleições de 2018 não jogou apenas o PT na oposição a Bolsonaro e ao seu ultraconservadorismo, mas uma série de forças da direita mais moderada, mas ainda perigosa, como por exemplo a Rede Globo. Costumo acompanhar alguns programas da emissora, e é curioso como a programação do Fantástico tem apostado no momento “Isso a Globo não mostra”, quadro que satiriza por meio do humor os acontecimentos semanais, e óbvio, o governo está sempre lá marcando presença. As temporadas de Malhação têm sido voltadas a expor a diversidade como contraponto cultural às ideias de Bolsonaro. A novela das sete, Verão 90, introduziu sua história mostrando os efeitos da Era Color, marcando semelhanças ao atual governo. E nem preciso falar de como a questão das armas e da violência com doses do digitalinfluencismo ganham centralidade na novela das nove. O jornalismo inteiro ganhou ares de exposição do governo, inclusive o entretenimento com volta e meia de comentários de Faustão e Fátima Bernardes. Mas é no programa do Caldeirão do Hulk que mora o provável aval teste da emissora carioca. Semanalmente Luciano, que apareceu várias vezes nos holofotes da corrida presidencial, utiliza seus quadros para falar de empreendedorismo, da meritocracia como possibilidade de vida, e aplicar doses de diversidade com mulheres que buscam superar a violência doméstica, LGBTs que contam suas histórias de vida, meio ambiente na pauta, etc e etc.. Luciano Hulk não é o candidato da Globo, porque a Globo ainda acha cedo forjar alguém, mas deu a carta branca para Hulk fazer experimentações e vender seu peixe. Mas você acha mesmo que o Hulk iria mostrar sua força somente em um programa semanal?

Algumas vezes, Luciano já foi apontado como investidor de grupos políticos que projetam e formam “novos políticos”, numa perspectiva vestibulesca e administrativa de Estado. Movimentos como o Acredite e o RenovaBR, que não necessariamente possuem mais vínculos diretos com Luciano, agem com destaque na construção político-militante Brasil à fora, a própria Deputada Federal Tábata Amaral é resultado desse investimento. O que parece ocupar ou pelo menos disputar território com a tradicional esquerda militante e com os frutos MBL. Isso cheira a terceira via? Nem radical à esquerda, nem radical à direita, pode chamar de neoliberal, liberal, terceira via, nem lá nem cá, de tudo um pouco ou de nada. Por enquanto é uma experimentação, mas pode vim logo logo, a depender da evolução do projeto “Brasil Conservador”, a se concretizar como um plano nacional da elite brasileira, que não tem compromisso ideológico que não seja com o capitalismo, com o lucro desenfreado e com a exploração.

Veja bem, qual melhor plano B de uma Elite se não acusar o fracasso do plano A ao fato de não respeitar à diversidade e retornar com purpurinas ao céu enquanto na economia segue o mesmo trajeto? Se Bolsonaro fracassar (e vai fracassar), nada melhor do que um Justin Trudeau à moda brasileira para colocar ordem na casa e retornar a Globo para o governo. O próprio Ciro Gomes vende seu peixe publicamente. A Marina desidratou, mas o Novo de Amoêdo articula esse caminho. Pode ser qualquer um, o nome do fantoche pouco importa, as cordas seguirão sendo ventriculadas pelos mesmos de sempre.

Enquanto isso, tenho certeza que muitos se perguntam qual projeto alternativo vem sendo construído pelas forças à esquerda brasileira com tradição, é isso mesmo com tradição, contradição pura. A seta apontada para dentro das camareiras congressuais é um erro táctico tamanho. A ausência de novos métodos voltados à ampliação de novos quadros políticos, de maior enraizamento em zonas de bairros periféricos e de denúncia do bolsonarismo, do olavismo e do pós-bolsonarismo é assustadora. Será a esquerda partidária brasileira mais uma vez arrastada pelos ventos da história?

Não podemos depender de uma esquerda que enxerga na democracia capitalista a única forma de participação. Que reduz o seu arsenal de batalha ao nível de dizer que erramos em não simplificar a linguagem, porque assim fez o ultraconservadorismo. Nosso caminho é tornar complexas questões que diariamente são reduzidas a palavras de ordem vazias ou sensacionalismos burros. Não vamos falar “bandido bom é bandido morto”, nem “Lula Livre”, vamos falar em como o Judiciário e o encarceramento em massa se relacionam com o mesmo sistema que aprova a Reforma da Previdência. Não vamos falar que 39 kg de cocaína é um absurdo, vamos falar em como existe uma falsa guerra às drogas que só pune negros e pobres. Vamos falar mais, vamos produzir mais. Podemos não ter respostas imediatas para absolutamente nada, mas é preciso começar a gerar um deslocamento desse lugar emburrecido que se tornou a política brasileira. Não dá para seguirmos compartilhando memes e mais memes e achar que estamos construindo uma revolução no país. As peças do xadrez nunca deixam de ser jogadas, mesmo quando nossos olhares ainda estão voltados à partida anterior.


 

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