Novo coronavírus começa a migrar para regiões Sul e Centro-oeste, mostram registro de casos e de síndrome respiratória grave. Universidade de Oxford inclui país em teste de vacina
Com 584.016 casos confirmados do novo coronavírus e 32.548 mortes —com mais um recorde de óbitos notificados em 24 horas nesta quarta-feira, 1.349—, o Brasil vê a epidemia se espalhar pelo seu território em velocidade semelhante, para além dos primeiros epicentros da epidemia no país. Uma análise feita pelo EL PAÍS sobre os novos casos notificados ao Ministério da Saúde na última semana mostra que 74% dos Estados apresentaram um percentual de crescimento maior que o nacional. Desde que o Brasil registrou o primeiro caso da doença, o novo coronavírus ganhou força inicialmente em grandes centros urbanos com grande fluxo de pessoas vindas do exterior ― como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Depois, os casos passaram a ficar mais concentrados nas regiões Norte e Nordeste. Agora, a epidemia começa a migrar para regiões até então menos castigadas pela covid-19, como Sul e Centro-oeste. Há ainda uma forte tendência de interiorização do vírus no país, uma preocupação diante da forte desigualdade hospitalar que acomete as pequenas cidades.
Entre os dias 27 de maio e 2 de junho, o Brasil contabilizou 143.562 novos casos de coronavírus, um total 35% maior do que os 411.821 infectados que apresentava há uma semana. A alta acontece mesmo considerando que o volume de casos está provavelmente subestimado, já que o país ainda não consegue testar sua população em massa e pouco avançou até agora nos estudos por amostragem para tentar desenhar o tamanho real da epidemia. Na análise feita pelo jornal, 20 unidades da federação viram seus casos crescerem em uma velocidade maior que a do país. Também é possível ver que enquanto os primeiros epicentros como São Paulo e Rio de Janeiro começam a apresentar crescimento menos acelerado, Estados que avançavam mais lentamente vêem sua curva de contágio subir. Goiás e Alagoas foram os que apresentaram o maior percentual de alta: o primeiro passou de 2.843 para 4.377 casos em uma semana, alta de 54%, enquanto o segundo foi de 7.580 infecções para 11.559, um número total 52% maior que há uma semana. Já São Paulo, que segue como epicentro da doença com mais de 8.000 mortes, passou de 89.483 casos para 118.295, alta de 32%.
“Você tinha locais com curvas mais acentuadas e outros menos acentuadas. Isso começou a partir da região Sudeste, com São Paulo e Rio de Janeiro. Depois Ceará, Pernambuco e Amazonas se juntaram. Esse fenômeno foi para a região Nordeste e pra região Norte. Os gráficos estão se juntando. E agora está acontecendo tanto em Minas Gerais como na região Centro-oeste”, explica Domingos Alves, professor de medicina social da USP de Ribeirão Preto que pesquisa o avanço da epidemia do coronavírus no Brasil. O pesquisador, que se dedica a entender o comportamento da doença desde o primeiro caso contabilizado no país, atenta que mesmo as taxas de letalidade dos Estados começam a se aproximar. “Está tudo ficando junto. Você vê as taxas de letalidade afunilando para o mesmo valor”, diz.
Os gargalos de testagem e mesmo a desigualdade da capacidade de fazer os exames entre Estados influenciam nas estatísticas e, segundo pesquisadores, dificultam avaliar se há de fato uma desaceleração sustentada no contágio do novo coronavírus. Por enquanto, os dados disponíveis mostram apenas algumas tendências e acendem alertas. Ao analisar o momento atual da pandemia, o Ministério da Saúde aponta que ainda há uma forte concentração de casos nas regiões Norte e Nordeste, mas a preocupação do Governo está principalmente na interiorização da doença, que vem avançando pelas cidades menores, com estrutura hospitalar mais débil e algumas vezes até inexistente. “Entramos em algumas unidades da federação numa nova etapa, que é o impacto no interior. A gente observa a epidemia migrando. Neste momento, a ideia é darmos suporte para que os casos que não possam ser tratados no interior sejam transferidos para as capitais”, diz o secretário-executivo substituto do Ministério da Saúde, Élcio Franco. Ele defende que o Governo distribuiu recursos a todos os Estados para se prepararem minimamente para enfrentar a pandemia.
O Ministério da Saúde também vê uma tendência de que os novos casos passem a se concentrar agora nas regiões Centro-oeste e Sul do país. “Essa incidência (até então mais concentrada no Norte e no Nordeste) tende a vir para a região centro-sul. Com exceção de Rio de Janeiro e São Paulo, ainda temos uma baixa incidência no centro-sul”, analisa Franco. Nas últimas semanas, Estados como Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Rio Grande do Sul começam a chamar atenção pela aceleração no número de casos. E a situação pode se agravar no mapa inferior do país, já que há uma tendência histórica de maior disseminação de vírus respiratórios no Sul e Sudeste, que apresentam temperaturas mais baixas nesta época do ano.
Síndrome respiratória, mais um termômetro do avanço da pandemia
Essa tendência de migração também é observada em um outro fator que serve de termômetro sobre como o coronavírus vem avançando no país: os casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), uma complicação comum aos casos da covid-19 e a outras síndromes gripais. O programa Infogripe, da Fiocruz, acompanha semanalmente os dados de hospitalização de pessoas com SRAG. E viu, ao longo dos últimos meses, a incidência de hospitalizações de pessoas com problemas respiratórios alcançarem níveis muito mais altos que no ano passado. “Percebemos que atingimos um patamar de incidência muito alta já na semana 11 de 2020 (em março), quando registramos 3.098 casos. Ano passado, o número de casos para essa mesma semana epidemiológica foi de 808”, compara Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe.
Enquanto o novo coronavírus avançava no país, crescia também a incidência de SRAG nos Estados. O mapa com os dados da semana passada mostra que, com exceção do Acre, praticamente todo o país já apresenta número de pacientes com SRAG muito elevado. O panorama de novos casos da Fiocruz ainda sugere que as regiões Centro-Oeste e Sul tendem a um crescimento acelerado. “A gente está numa fase em que todas as regiões apresentam crescimento de novos casos semanais. No Nordeste e no Sudeste, houve uma desacelerada, mas (o número de internações) ainda sobre. O crescimento começa a se mostrar mais lento em alguns locais. O Sul e o Centro-oeste vinham de situações estáveis nas últimas semanas e voltaram a crescer com força”, avalia.
Segundo Gomes, nas últimas seis semanas, os casos estimados de SRAG no Centro-Oeste passaram de 500 para aproximadamente 900 casos. Já na região Sul, os casos de SRAG passaram de 1200 para aproximadamente 1600 nas últimas três semanas. “Estamos hoje numa situação em que todas as regiões estão em estado de alta circulação (do novo coronavírus), com um volume grande de casos, levando em consideração sua população. Não vejo muito como falar em estratificação. Estamos em uma situação de evolução da epidemia”, acrescenta.
Sem uma orientação pública do Ministério da Saúde (que nunca chegou a divulgar a diretriz para enrijecer ou relaxar o isolamento), Estados tomam as próprias decisões com base nos casos que registram diariamente, na busca pelas unidades de saúde e na capacidade de assistência hospitalar. Gomes, no entanto, se mostra preocupado. “Temos fase de crescimento de SRAG em praticamente todas as regiões. Facilitar a disseminação do vírus agora é bastante preocupante”, afirma.
O distanciamento social é apontado por pesquisadores como a medida mais efetiva quando ainda não há vacina nem medicamento capaz de curar a covid-19. Neste mês de junho, o Brasil inicia os testes de uma potencial vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ao todo, 2.000 brasileiros participarão dos testes.