Caso Queiroz: Uso de dados do Coaf sem autorização judicial é ‘promiscuidade’, diz ministro Marco Aurélio

Ministro do Supremo questiona forma como presidente da Corte suspendeu diversos inquéritos no país com um única decisão

Queiroz (à direita) é ex-motorista e ex-segurança do senador Flávio Bolsonaro Reprodução/Instagram

 

Por BBC News Brasil

Ministro do Supremo questiona forma como presidente da Corte suspendeu diversos inquéritos no país com um única decisão

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello afirmou entrevista à BBC News Brasil ter dúvidas sobre a constitucionalidade da decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, de suspender diversas investigações no país ao aceitar um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ainda assim, o ministro disse concordar com o argumento da defesa do filho de Bolsonaro, que questiona o compartilhamento de suas informações financeiras entre o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Ministério Público do Rio de Janeiro sem prévia autorização judicial.

“Isso, sob o meu modo de ver, é promiscuidade, e não contribui para a segurança jurídica”, afirmou, em breve conversa por telefone de Portugal, onde passa férias.

Marco Aurélio é relator dos recursos da investigação contra Flávio Bolsonaro no STF. Como o Supremo está de recesso, coube a Toffoli analisar o recurso apresentado durante o plantão judicial, em que o senador pedia para interromper o inquérito contra ele que corre no Ministério Público do Rio de Janeiro sob o argumento de que o Coaf não poderia ter compartilhado sua informações com os promotores sem prévia autorização judicial.

O presidente do STF decidiu então suspender por liminar (decisão provisória) todas as investigações iniciadas a partir de compartilhamentos desse tipo até que o Supremo julgue um recurso com repercussão geral sobre esse tema, o que está previsto para novembro.

Já Marco Aurélio disse ter dúvidas sobre se um ministro do STF pode suspender todos os casos que se encaixam em um recurso com repercussão geral a partir do pedido feito em um caso individual, com base no artigo 1.035 do Código de Processo Civil.

“É um artigo que eu tenho sérias dúvidas quanto à constitucionalidade. Esse artigo revela que o relator pode suspender os processos que corram sobre a matéria que já tenha sido admitida a repercussão geral, no país inteiro. É um poder muito grande”, destacou.

Um dos parágrafos deste artigo afirma que “reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

“Agora, quanto à matéria de fundo, eu tenho votado nesse sentido: só quem pode afastar a privacidade — e nós estamos aí a cogitar dados econômicos, financeiros, do cidadão Flávio Bolsonaro — é o Judiciário”, disse.

Questionado pela BBC News Brasil se a investigação contra Flávio Bolsonaro poderia ser definitivamente encerrada caso a maioria do STF se posicione contra esse tipo de compartilhamento, Marco Aurélio disse que não.

“Não, é só recorrer ao Judiciário e pedir ao Judiciário que ele afaste o sigilo. É tão fácil, o protocolo do Judiciário está sempre aberto. Por que não recorrem? Aí partem para esses convênios esdrúxulos de compartilhamento”, criticou.

Como estavam as investigações

O filho do presidente passou a ser investigado no ano passado depois que um relatório do Coaf apontou movimentações suspeitas de funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), onde Flávio Bolsonaro era deputado estadual.

Chamaram atenção as transações do ex-assessor Fabrício Queiroz, que movimentou R$ 1,2 milhão em cerca de um ano, em 2016, incluindo o depósito de um cheque de R$ 24 mil na conta da hoje primeira dama, Michelle Bolsonaro. O Coaf também descobriu que Flávio recebeu R$ 96 mil em sua conta em vários depósitos de R$ 2.000, movimentações consideradas suspeitas pelo órgão.

O senador diz que os recursos faziam parte do pagamento de um imóvel que ele havia vendido e que R$ 2.000 era o limite do caixa eletrônico por operação. Já o presidente Bolsonaro afirma que o cheque para Michele era pagamento de um empréstimo dele a Queiroz. A investigação do Ministério Público busca apurar se Queiroz coletava parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio para si próprio e para o hoje senador.

As informações obtidas pelo Coaf não são consideradas quebra de sigilo bancário, de acordo com decisões prévias da Justiça em casos semelhantes, mas a questão sobre se elas podem ou não ser compartilhadas com o Ministério Público sem prévia autorização judicial é justamente o tema que está sendo discutido no Supremo – e o que motivou Flávio a pedir a paralisação.

A Justiça decretou a quebra de sigilo fiscal de Flávio Bolsonaro e de Queiroz em abril deste ano, segundo o jornal O Globo, e tal quebra ficou em segredo até ser revelada pelo jornal em maio. A discrição em torno do caso acontece porque todos os procedimentos correm em segredo de Justiça e, por isso, a Promotoria não divulga informações oficiais sobre o andamento das investigações.

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