Times brasileiros desmancham elencos, demitem funcionários e cobram socorro da CBF diante da falta de perspectiva de retomar campeonatos
Para disputar a segunda divisão do Paraná, empresários do ramo imobiliário decidiram investir quase um milhão de reais nos últimos anos com o objetivo de levar o Rolândia Esporte Clube (REC) à elite do futebol estadual. Administrado como clube-empresa, o time do norte paranaense agora contabiliza a fatura de prejuízos em meio à crise do coronavírus, que paralisou campeonatos pelo país e impediu a estreia da equipe na competição local, programada para o início de abril. “Infelizmente, dispensamos todos os atletas e funcionários”, conta Hebert Issao, gestor financeiro do clube. “Não tivemos outra alternativa.”
Com uma folha de salarial de 85.000 reais, a instituição, após a dispensa do elenco e cortes até na segurança noturna, ainda tem um custo mensal de 17.000 reais para manutenção da sede e do centro de treinamento, que estão fechados. Ao contrário do rival Nacional, clube mais tradicional de Rolândia, que além da série B do Paranaense também disputa a Série D do Campeonato Brasileiro, o REC não recebeu o socorro financeiro destinado pela Confederação Brasileira de Futebol aos participantes da terceira e quarta divisões. Como não integra nenhuma competição nacional, o clube-empresa ficou sem o auxílio emergencial de 120.000 reais da confederação. “Solicitamos ajuda da Federação Paranaense, que entrou em recesso por 60 dias e não se manifestou. A pandemia pode inviabilizar completamente o projeto do clube”, afirma Issao.
Além dos times de pequeno porte, a crise desencadeada pela suspensão dos campeonatos afeta grandes clubes endividados, que já enfrentavam limitações financeiras muito antes da parada, e inclusive potências como Flamengo e Palmeiras. Os mais ricos do país anunciaram cortes salariais. No rubro-negro carioca, mais de 60 funcionários foram demitidos. Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro, em seu esforço para revogar a quarentena do setor comercial, se diz preocupado com os reflexos da pandemia no futebol. “O Flamengo, se não me engano, tem [gasto mensal] próximo a 15 milhões. Palmeiras também. Como vai se pagar sem que se gere imagem? Tem time aí que praticamente vai decretar falência. Times de segunda divisão, que estão disputando as divisões dos seus respectivos Estados, com toda certeza”, declarou o presidente durante uma live transmitida pelo Facebook.
Porém, a volta das competições esportivas esbarra nas medidas restritivas decretadas por governadores. O do Rio de Janeiro, por exemplo, já rejeitou pedido de clubes cariocas para retomar o Estadual no início de maio. “Sou absolutamente contrário à realização de jogos de futebol ou treinos”, afirmou Wilson Witzel. “A pandemia ainda é grave e considero que, neste momento, não é adequado para a saúde e a segurança dos atletas ou de todos aqueles envolvidos nos jogos e treinamentos.”
O risco de falência ou interrupção definitiva das atividades assombra principalmente os clubes à margem das divisões nacionais, não contemplados pelo pacote financeiro da CBF. Com mais de 100 anos de história, o Democrata de Sete Lagoas publicou um manifesto cobrando amparo aos “clubes invisíveis” por parte das federações. “Nosso fôlego acabou. O desequilíbrio financeiro gerado nas últimas décadas chegou ao seu limite. Estamos pedindo socorro. Não só com um apoio financeiro imediato, o que seria um antitérmico, mas com uma reestruturação do futebol que nos devolva a dignidade”, protestou o clube mineiro em carta aberta assinada pelo presidente Renato Paiva. No ano passado, a equipe teve sua sede leiloada pela Justiça para o pagamento de dívidas acumuladas.
Apesar do apelo, seguem à espera de ajuda não somente o Democrata, mas outros participantes da segunda divisão do Campeonato Mineiro, como Betim e Mamoré, que dispensaram todos os jogadores por falta de recursos em meio à pandemia. Vice-lanterna da competição, o CAP Uberlândia só conseguiu manter jogadores e comissão técnica, que custam 60.000 reais por mês, devido aos aportes de mecenas como o ex-vereador Ronaldo Alves, dono de um hotel na cidade do Triângulo Mineiro, e uma parceria com a Sociedade Esportiva Patrocinense. A diretoria propõe à Federação Mineira de Futebol (FMF) que isente os clubes das taxas de arbitragem e realização de jogos, que chegam a consumir até 15.000 reais por partida, na retomada do campeonato. “Se não tiver uma contribuição das federações, será inviável para a maioria dos times pequenos continuar competindo”, diz Henrique Dal Gallo, diretor executivo do CAP Uberlândia, que já perdeu seu único patrocinador oficial na temporada.
Protesto por plano antifalências mais amplo
Em movimento coletivo, os clubes do interior de Minas se juntaram a quase 200 equipes espalhadas pelo país e enviaram carta à CBF para cobrar apoio neste período de inatividade. Dirigentes entendem que a confederação pode ir além dos 19 milhões de reais que já repartiu entre times das séries C e D e das ligas nacionais femininas. Em 2019, a CBF faturou quase 1 bilhão e lucrou 190 milhões de reais. “Alguns clubes já estão fechando as portas, porque o dinheiro simplesmente acabou”, afirma Robson Santos, presidente do Lagarto, time da cidade do atacante Diego Costa, em Sergipe, que também é um dos signatários da reivindicação.
“A CBF só olha para os times de suas competições, mas ela também depende de nós, que pagamos taxas e mais taxas para jogar.” Rebaixado no Campeonato Sergipano, o Lagarto havia dispensado jogadores do elenco principal antes da pandemia interromper o Estadual. Entretanto, ainda precisa custear suas categorias de base. Embora seja gerido pela família de Diego Costa, que ajuda na captação de patrocínios, o clube alega ser impossível manter a operação sem torneios, mesmo que a curto prazo.
No Estado mais rico do país, a indefinição sobre o retorno das competições gera temor aos clubes da quarta divisão, que estava prevista inicialmente para começar no último dia 18. O pronunciamento do presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Reinaldo Carneiro Bastos, em uma reunião extraordinária, deixou dirigentes ainda mais apreensivos. Por um lado, o cartola assegura que o campeonato será realizado este ano, mas ressaltou que, “quando houver garantia de segurança a todos os envolvidos”, caberá às equipes a decisão de participar ou não do torneio, sem estipular um modelo de compensação financeira durante a paralisação. Na primeira divisão de São Paulo, a competição foi suspensa com o Santo André na liderança. O clube, que já conquistou a Copa do Brasil, hoje não consta em nenhuma divisão nacional. Por enquanto, o comando do Ramalhão descarta a possibilidade de quebrar. “Pela tradição, não temos risco de falência. O que não quer dizer que será fácil voltar à normalidade”, diz o diretor Edgard Montemor.
Mais da metade do elenco do Santo André teve contrato encerrado no fim do mês passado. Em caso de retomada do Paulistão, o clube tentará renovar vínculos e correr atrás de atletas para completar o plantel. Em outros Estaduais, a maioria dos contratos vence em maio. Ainda que dirigentes deem sinal verde para a volta do futebol, comissões técnicas estimam pelo menos duas semanas de treinamentos para recondicionar seus jogadores. Sem perspectiva de reinício dos torneios, o quadro torna-se instável até para os clubes que receberam o auxílio da CBF, mas precisam escolher entre pagar dívidas e empréstimos ou bancar o vencimento dos funcionários.
Apesar de ter embolsado 120.000 reais por disputar a quarta divisão nacional, o ABC de Natal amarga uma crise administrativa nos bastidores. Por fazer parte do grupo de risco do coronavírus, Fernando Suassuna renunciou à presidência do clube, passando o bastão para Bira Marques. “Conto com a união de todos os abecedistas para enfrentarmos as inúmeras dificuldades e desafios que virão pela frente”, afirmou o novo presidente, em referência aos percalços financeiros que prejudicam o time desde a temporada passada.
Longe da rotina habitual de treinos, o improviso é a saída para minimizar os impactos da pandemia. O Rolândia distribuiu uma cartilha de treinamentos aos jogadores dispensados. A cada atividade realizada em casa que sobem em um aplicativo, eles garantem uma ajuda simbólica do clube. “Foi a forma que encontramos para estabelecer relação amistosa com os atletas até o fim da quarentena. Mas, se algum deles for procurado por outra equipe, não poderemos fazer nada”, diz Hebert Issao.
Sufocados pelas contas, alguns clubes tentam forçar um retorno às pressas. Mesmo contrariando as determinações da Secretaria da Saúde e da Federação Gaúcha, o Esportivo, de Bento Gonçalves, ordenou que seu elenco voltasse a treinar. A medida durou apenas uma semana. O presidente Laudir Piccoli foi orientado a paralisar novamente as atividades com bola, ainda sem data para recomeçar a rolar.