É muito comum, e utilizado como base de muitas análises que determinam políticas públicas de combate ao crime organizado, a caracterização de que o mesmo é formado apenas por “Traficantes, ladrões, sequestradores e contrabandistas”. Raramente é considerado a participação de Juízes, políticos, policiais e empresários.
Tal análise parcial e incompleta não consegue abarcar as sutilezas e as contradições, bem como devido à incompletude analítica não aponta para uma solução prática e eficiente ao combate destas categorias de organização.
Seja em Chicago nos anos de 1920 e 1930, ou Honduras, Guatemala, Nicarágua e Colômbia nos dias atuais o crime organizado se vale das elites, ou dizendo mais apropriadamente da corrupção das elites que gerenciam o estado.
Mas enquanto a máfia de Chicago foi controlada depois da criação de uma política séria de combate ao crime organizado, resultado da pressão popular, nos casos de Honduras, Guatemala, por exemplo, a população sofre com um Estado que perdeu sua capacidade de atuar e a ocupação do crime organizado de tal forma que parte importante da população não tinha emprego e estava ameaçada de morte, e então foram obrigados a fugir do país. Algo que se parece um pouco mais com o risco que o Brasil passa neste momento.
Além disso, políticas públicas que levem ao debilitamento do estado (tal como a privatização dos presídios), ou que reduzam as estruturas de suporte social (como a reforma da previdência) também contribuem significativamente para a proliferação do crime organizado.
Colocando de uma forma bem simples sem as elites políticas e econômicas se torna impossível ao crime organizado prosperar.
Direta ou indiretamente as elites de nosso país, plantaram as sementes e araram o campo para o florescimento do crime organizado.
A publicação InsightCrime elaborou um interessante estudo com proposições metodológicas sobre como o crime organizado e as elites interagem entre si. Como vemos esta não é apenas um receio de nossa categoria, esta é uma preocupação de especialistas internacionais em crime organizado.
Temos que entender que o projeto de privatização dos presídios paulistas pode levar a uma agudização do quadro de alastramento do crime organizado, uma maior inserção do mesmo nas comunidades e consequentemente um fortalecimento político, militar e econômico do mesmo. A possibilidade de uma trégua nacional entre o PCC e o CV embora traga consigo a redução nos índices de homicídios no Brasil, também traz a possibilidade de unificação de duas das maiores e mais perigosas, gangues do continente, com consequências terríveis sobre as perspectivas de segurança nacional, ordem democrática e respeito aos direitos humanos. Os últimos casos de ataques de morte contra policiais, inclusive da Rota(este texto foi publicado em 06.05.2019) dão conta do risco aumentado deste processo com a privatização do sistema penitenciário, e a infiltração de células do crime.
O crime organizado permeia os variados estratos sociais? Sim, todos. É incorreta a visão de que são os pobres e marginalizados os responsáveis pelo crescimento do crime.
Sem uma análise de como o crime se integra na economia, política e vida social de uma comunidade, qual o papel que assume tanto em uma perspectiva econômica quanto de segurança, os esforços contrários a ele serão infrutíferos.
Como as variadas políticas econômicas, sociais e de segurança pública interagem, muitas das vezes causando resultados exatamente opostos ao planejado, depende do nível de penetração e de organização do crime, quais as suas formas sociais de reprodução e penetração no tecido estatal.
Segurança pública e penitenciária não se negocia
Políticas pró-mercado ou liberalizantes podem muitas das vezes causar resultados inesperados no que diz respeito a penetração do crime organizado. A facilidade de arregimentação de uma parcela da população mais vulnerável economicamente pelo crime organizado nunca pode ser menosprezada. Também, sua formação se dá por meio da composição de políticos e empresários em ações criminosas e com lavagem de dinheiro. O Brasil para realizarVídeo denúncia:https://www.youtube.com/watch?v=TfEaDqXSeV0 um trabalho sério de neutralizar o crime organizado deve investir mais no sistema penitenciário público e criar uma elite de trabalho como a Polícia Federal ou o Ministério Público, e não fragiliza-lo e tratar como equivalente a uma empresa.
Veja que há relações diretas entre elites e o crime organizado em vários países do continente:
Guatemala: https://es.insightcrime.org/investigaciones/elites-y-crimen-organizado-en-guatemala/
Colômbia:
https://es.insightcrime.org/investigaciones/elites-y-crimen-organizado-en-colombia/
Honduras:
https://es.insightcrime.org/investigaciones/elites-y-crimen-organizado-en-honduras/
No Brasil, o crime organizado pode e quer comprar presídios:
http://sifuspesp.org.br/noticias/6454-o-crime-organizado-ira-comprar-presidios-entenda-o-golpe
Sabemos por dolorosa experiência que a interação entre facções criminosas e funcionários terceirizados, sem perspectivas de carreira e um amparo socioeconômico adequado pode levar a situações desesperadoras tais como já aconteceram nas rebeliões no Maranhão e Amazonas.
O crime organizado utiliza hoje de variados métodos para cooptar e subverter as forças de segurança, imaginemos por um momento o quão mais fácil será para lidarem com funcionários de uma empresa terceirizada, sem perspectivas de carreira e um salário muito mais baixo do que suas contrapartes estatais e com um nível muito maior de vulnerabilidade social.
Como será interessante para estas organizações a desmontagem de todo um aparato de inteligência que atua dentro de nossos presídios e que muitas vezes impôs duras perdas ao crime.
Ter esta perspectiva de que o crime organizado permeia todos os níveis da sociedade e que interage como parte desta sociedade com as políticas implementadas pelo governo, influência em sua criação e implementação, bem como tira proveito de suas falhas e imperfeições permite que tenhamos uma visão mais ampla, menos maniqueísta e menos ingênua sobre o problema.
Cabe a toda a sociedade o combate ao crime organizado, a implementação de mecanismos de transparência e participação de setores diversos da sociedade pode diminuir em muito o espaço de penetração do crime.
Recomendações de várias entidades internacionais dão conta da importância de que os profissionais que atuam na área prisional tenham valorização, treinamento, profissionalização, bem como a garantia de que seja uma carreira de estado.
Tais recomendações também apontam para a necessidade de envolvimento da sociedade na fiscalização do ambiente prisional, uma vez que o mesmo devido a características inerentes tende a opacidade.
Apontamos que uma maior participação da sociedade só será possível com o respeito ao conhecimento e vivência trazidos pelos trabalhadores penitenciários, em última instância os guardiões da lei de execução penal. Estes agentes da lei precisarão contar com a participação dos diversos setores do judiciário: magistratura, ministério público e defensorias de forma a transmitir para o estado e consequentemente para a sociedade a verdadeira realidade do sistema prisional. Bem como precisarão de uma grande interação com os órgãos de inteligência do estado de forma a construir um retrato real desta ameaça.
Fonte de citação de Al Capone e para saber mais sobre a história da Máfia de Chicago, leia: https://incrivelhistoria.com.br/al-capone-biografia/