EXTRAngulado: a política do Genocídio do Negro Brasileiro

Muita gente estranha o fato de envolvermos política em debates como o racial, na cultura de que política se resume ao processo de eleições e que ela se resume a quantidade de votos, a quem vai governar e qual ideologia x candidato possui. Mas é uma inferência totalmente errada. É verdade que a concepção de política no mundo moderno já não é mais a mesma da Grécia Antiga, mas é preciso questionar os desvios desse conceito no dia a dia se queremos de fato um mundo diferente do que temos, a pergunta que fica é: que mundo queremos?

pordentrodaafrica.com

Muita gente estranha o fato de envolvermos política em debates como o racial, na cultura de que política se resume ao processo de eleições e que ela se resume a quantidade de votos, a quem vai governar e qual ideologia x candidato possui. Mas é uma inferência totalmente errada. É verdade que a concepção de política no mundo moderno já não é mais a mesma da Grécia Antiga, mas é preciso questionar os desvios desse conceito no dia a dia se queremos de fato um mundo diferente do que temos, a pergunta que fica é: que mundo queremos?


O assassinato de um jovem por um segurança da rede de supermercado Extra no Rio de Janeiro no mesmo dia em que uma garotinha de 11 anos foi baleada no mesmo estado com suspeitas dos autores serem policiais, levantaram um debate intenso nas redes sociais sobre a violência racial no país. No Brasil, pesquisas indicam que à cada 10 jovens executados, 7 são negros e que, portanto, pessoas negras são vítimas de assassinato à cada 23 minutos (alguns dados apontam 15). O maior argumento de questionamento desses dados se trata do uso do critério de proporcionalidade que alega “que morre mais negro por ser maioria”, mas porque esse argumento não é usado para analisar a configuração do Congresso Nacional ou das pessoas mais ricas do país? Veja bem, esses dados são oficiais do governo e também da ONU e eles dialogam diretamente com a seletividade das políticas públicas e históricas do Brasil, e esse será o nosso esforço nesse texto.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, anunciou na semana passada um pacote denominado “anticrime” que será implantado pelo governo. Nesse pacote entre muitas medidas, a polêmica “licença para matar” concedida às forças policiais, aos agentes do Estado, ao Estado e que desafia as estatísticas de necessidade de reforma do atual modelo policial, o mais assassino do mundo, e desordena a lógica de avanço da segurança pública em acabar com a violência de morte como solução, o que ele faz é inclusive retirar a punição que pressiona o policial a não cometer equívocos para dar liberdade dele atirar para matar ou atirar para morrer. Se os dados à cima são concretos, essa punição à bala tanto para policiais quanto para quem está do outro lado termina sendo uma canetada com critério racial. São negros que morrem de ambos os lados. Seguindo o próprio argumento de proporcionalidade de quem nega a questão racial por trás, são brancos (composição de governo e Congresso) assinando uma guerra pública de negros contra negros (maior configuração da polícia, maior configuração de quem morre pelas mãos da polícia). Esse fato é o mais recente para exemplificar o papel da institucionalização no genocídio do povo negro.

No livro “A Nova Segregação: racismo e encarceramento em massa”, a autora estadunidense, Michelle Alexander, traça um perfil do tratamento histórico a pessoas negras, mostrando em como as principais formas sistêmicas de controle político sempre se basearam na raça como forma de efetivação desse controle e da exploração. A escravidão é um período que quase em comum acordo nos indignamos com o que representa, digo quase em comum porque ainda há quem não assuma esse período como culpa do sistema e consegue mesmo assim se eleger presidente. Mas essa indignação não se deu logo após o seu fim, mas numa disputa secular de narrativa, de denúncia, de construção e de muito sacrifício e sangue. Posterior à abolição, as chamadas Leis de Segregação Racial, que se tratavam de conjuntos de normas punitivas e violentas contra pessoas negras, se fizeram presentes em todos os espaços públicos e pessoais. Pessoas negras não podiam sentar em ônibus ao lado de pessoas brancas, pessoas negras eram presas por qualquer coisa, como vadiagem ou só por estar em x lugar. Essas Leis eram formas de manter intactas a estrutura de exploração e controle dos negros recém-libertos da escravidão. Hoje, questionamos e até nos indignamos. Mas afinal, após o fim dessas Leis, o povo negro foi finalmente liberto? A resposta pode vim em um simples teste de pescoço, seja para olhar para o lado nas ruas e lugares que frequentamos ou para levar nossos olhos às principais manchetes de jornais. A resposta é NÃO, NÃO ACABOU O SISTEMA POLÍTICO DE CONTROLE E EXPLORAÇÃO DO NEGRO BRASILEIRO.

Se o negro liberto da escravidão tivesse pensado em vingança a situação seria mais radical. Mas o que o negro brasileiro quis foi se integrar à sociedade, fazer parte dela, simplesmente, e eu não nos condeno, ao contrário. Ter um emprego e ser pago por isso, mesmo que mal pago, ter comida na mesa e criar seus filhos são necessidades básicas, mas o que recebemos foi a capacidade do sistema de nos fazer parecer menores e subalternos à elite branca, e “que nos integrar era uma caridade por parte deles”. Para manter essa noção histórica de inferioridade do negro o Estado tratou de recriar suas próprias armas, já que a escravidão e as Leis de Segregação Racial já não davam para serem defendidas. Agora era preciso algo que boa parte dos próprios negros e pobres acreditassem ser o melhor método e isso próprio ser usado como argumento quando o Estado fosse acusado de racista – “os primeiros racistas são os negros”. Assim emerge das profundezas estatais o Encarceramento e o Genocídio com base em qualquer motivo: um cigarro de maconha, uma parada na esquina à noite, uma presença em um supermercado frequentado por brancos classe média. Criou-se o mito do “bandido bom é bandido morto”, com tradução de “negro bom é negro morto”. Escravizou e marginalizou o negro brasileiro para matar sem culpa e com aval de pessoas que justificam e comemoram a morte de mais um. 

A barbárie da violência é um projeto, porque ela tem um alvo. O financiamento e o lucro saem da mesma caixa desde sempre. Não existe inocente em quem coordena o genocídio do povo negro, porque eles possuem mais acesso a livros do que os jovens que todos os dias são executados em periferias, favelas, supermercados. Pedro Henrique e Jenifer foram apenas dois casos que ganharam repercussão. Aqui na Bahia, dias atrás, uma mãe teve sua filha recém-nascida morta com uma bala achada, saindo de uma festa da família. Enquanto você assiste o episódio de sua série favorita na Netflix, 3 jovens negros em média são executados da mesma forma no Brasil, e no país de Bolsonaro mortes são comemoradas, justificadas e não mais tratadas como barbárie. Parafraseando a Deputada Federal Talíria Petrone: são maioria negra os trabalhadores mortos no crime da Vale em Brumadinho, são maioria negra os mortos pela chuva no Rio de Janeiro, são maioria negra os mortos em periferias no Brasil. Nós precisamos perguntar: a quem interessa o genocídio do povo negro?


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Iago Gomes – Professor graduado em Letras (UEFS), Ativista Antirracista e LGBT, Produtor e Divulgador de Conteúdo Virtual

 

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