Nos testes “in vitro” eles foram mais eficazes que a droga de referência usada no Brasil para tratar a doença
Por Ivanir Ferreira
Editorias: Ciências Biológicas – URL Curta: jornal.usp.br/?p=264701
Pesquisadores da USP demonstram que uma nova família de compostos, à base do metal rutênio, possui alto potencial para ser utilizada como metalofármacos no tratamento da doença de Chagas. Os testes preliminares abrem possibilidades para o desenvolvimento de novos medicamentos. Os chamados “acetatos de rutênio”, compostos sintetizados em laboratório, se mostraram, inclusive, mais eficazes em testes in vitro que o Benzonidazol, medicamento de referência no Brasil utilizado no tratamento de pacientes nas fases aguda e crônica da doença.
“Os resultados foram bastante satisfatórios comparando a atividade biológica dos novos compostos de rutênio em relação ao Benzonidazol”, diz a professora Sofia Nikolaou, coordenadora do Laboratório de Atividade Biológica e Química Supramolecular de Compostos de Coordenação, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. “Nos ensaios que investigaram a forma do parasita Trypanosoma cruzi na fase aguda da doença, foi preciso uma dose aproximadamente quatro vezes menor de um dos compostos dessa nova família de metalofármacos em comparação ao medicamento de referência, para eliminar metade da população de parasitas in vitro. Já em relação à forma do parasita presente na fase crônica da enfermidade, o resultado foi ainda mais promissor: foi necessária uma dose cerca de 10 vezes menor do metalofármaco para alcançar o mesmo efeito”, relata a pesquisadora.
Metalofármacos: medicamentos mais potentes
Os metalofármacos têm despertado interesse de cientistas em todo o mundo graças às suas potencialidades farmacológicas. A ideia é desenvolver medicamentos mais potentes, com menos efeitos colaterais e mais seletivos em relação às drogas conhecidas. “Os metais têm a capacidade, entre outras coisas, de promover uma organização espacial dos princípios ativos orgânicos, de modo a modificar suas propriedades farmacológicas”, diz. “As pesquisas focam na busca de novos materiais em que essas mudanças sejam positivas para se obter novos antiparasitários, bactericidas, antifúngicos e anticancerígenos mais eficazes”, acrescenta.
Nessa área, são vários os metais estudados: a platina, o zinco, o cobre, o rutênio, o cobalto, entre outros. A platina, por exemplo, que é um metal nobre, vem sendo utilizada contra o câncer em várias formulações há mais de 50 anos. “No caso das moléculas que contêm rutênio em sua composição, elas apresentam algumas vantagens em relação a outros metalofármacos, como um menor efeito tóxico sobre células saudáveis e mecanismos de ação diferentes dos observados para os compostos de platina”, explica Sofia. Cita como exemplo o fato de compostos à base de rutênio serem mais eficazes em câncer na fase de metástase em comparação com o efeito de compostos de platina em tumores sólidos.
O primeiro trabalho publicado no Brasil focando a aplicação biológica dessa classe específica de acetatos de rutênio foi publicado em 2014, sob a supervisão da professora Sofia. Desde então, o foco das pesquisas do grupo tem sido encontrar metalofármacos de ação contra melanomas, câncer de pulmão e doença de Chagas.
Toxicidade menor
De acordo com Sofia, embora os metalofármacos sejam potentes para combater doenças, o investimento em pesquisas para o seu desenvolvimento ainda é baixo em relação ao que se faz na busca de fármacos convencionais. Entre os motivos, Sofia se lembra de aspectos culturais e o senso comum de que materiais contendo metais são necessariamente tóxicos. Porém, existem parâmetros que verificam a toxicidade de um novo composto e cita o Índice de Seletividade (IS), que compara a dose necessária de um fármaco para matar células saudáveis e células doentes (parasitas, bactérias, etc), explica. Segundo a pesquisadora, a literatura utiliza o valor de 10 a partir do qual uma nova molécula é segura para se prosseguir com os testes in vivo e clínicos. No caso do novo composto de rutênio, ele é tão promissor nesse quesito que apresenta IS de 160 para o parasita presente na fase aguda da doença e 209 para a fase crônica, em comparação com os valores de 51 e 25 observados para o benzonidazol, relata Sofia.
Picada do bicho barbeiro (Trypanosoma cruzi)
Uma das motivações que levou a pesquisadora a fazer opção pela temática foi o fato de a doença de Chagas fazer parte das doenças negligenciadas que, frequentemente, não despertam o interesse das grandes indústrias farmacêuticas. O vetor da doença é o inseto popularmente conhecido como barbeiro (Triatoma infestans) que transmite o agente infeccioso, o Trypanosoma cruzi. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença atinge cerca de 8 milhões de pessoas, podendo ser tratada na fase aguda, se diagnosticada a tempo. Na fase crônica, há várias complicações neurológicas, gastrointestinais e cardiológicos, como o comumente chamado coração inchado, que pode levar até à morte.
Quando o metalofármaco à base de rutênio chega às farmácias?
Embora os resultados sejam positivos, Sofia explica que ainda há um longo caminho para que os medicamentos sintetizados com materiais à base de rutênio cheguem às prateleiras das farmácias. Por ser uma pesquisa interdisciplinar, depois desta etapa, que foi iniciada no Departamento de Química da FFCLRP, o trabalho terá outros desdobramentos, como testes in vivo e a busca por alvos farmacológicos que permitam o entendimento dos mecanismos de ação das novas moléculas.
A tese que deu origem à pesquisa foi Complexos trinucleares simétricos de rutênio com ligantes azanaftalenos como bons candidatos a metalofarmacos: síntese, caracterização e estudos biológicos, de autoria de Bruna Possato e realizada sob orientação da professora Sofia Nikolaou.
Mais informações: (16) 3315-3748, e-mail sofia@ffclrp.usp.br, com Sofia Nikolaou, e brunapossato@usp.br, com Bruna Possato