Itamaraty muda posição histórica e diz apoiar liberação de vistos para americanos

Historicamente contrário à liberação unilateral de vistos para americanos que viajem ao Brasil, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) reviu a posição e se tornou favorável à medida, segundo um porta-voz do órgão entrevistado nesta segunda-feira pela BBC News Brasil.

REUTERS Americanos são o segundo maior grupo de turistas que visitam o Brasil anualmente, atrás dos argentinos

Por João Fellet  – Da BBC News Brasil em São Paulo

Historicamente contrário à liberação unilateral de vistos para americanos que viajem ao Brasil, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) reviu a posição e se tornou favorável à medida, segundo um porta-voz do órgão entrevistado nesta segunda-feira pela BBC News Brasil.


A mudança na postura ocorre enquanto o Itamaraty sob o governo de Jair Bolsonaro dá sinais de que priorizará a relação com os Estados Unidos em sua política externa, ao mesmo tempo em que o governo de Donald Trump adota regras mais restritivas para conceder vistos a brasileiros.

A isenção de vistos a estrangeiros é uma antiga demanda da indústria do turismo brasileira, mas nunca saiu do papel principalmente por causa da oposição do Itamaraty. O órgão argumentava que a medida violaria o princípio da reciprocidade na política externa e enfraqueceria o Brasil diante dos países contemplados, que exigem e continuarão a exigir vistos de turistas brasileiros.

Porém, em entrevista à BBC News Brasil, um representante do MRE afirmou que o órgão hoje defende que turistas americanos e canadenses fiquem isentos de vistos no Brasil. Segundo o diplomata Fábio Marzano, cotado para chefiar uma secretaria no Itamaraty, uma decisão sobre o tema poderá ser anunciada “rapidamente” e não está mais na alçada do ministério.

Ele afirma que a liberação dos vistos atende aos interesses do setor turístico e gerará benefícios econômicos para o Brasil. “No futuro, consideramos adotar a mesma medida em relação a outros países com o mesmo perfil de turistas, que não trazem qualquer problema ao Brasil”, disse Marzano, ministro de segunda classe (nível hierárquico abaixo de embaixador) no Itamaraty e indicado para conceder a entrevista sobre o tema pela assessoria de imprensa do órgão.

Marzano diz que a medida não enfraquecerá o Brasil diante dos países beneficiados. Ele rejeitou o argumento – defendido pelo MRE até o ano passado – de que, ao isentar americanos de vistos, o Brasil perderia poder de barganha para negociar a isenção de vistos para turistas brasileiros nos EUA.

Segundo o diplomata, “não há qualquer abertura para a negociação de isenção de vistos a turistas brasileiros com os EUA e Canadá hoje”. Ele diz ainda que vários países asiáticos, africanos e latino-americanos – entre os quais citou a Argentina, México, Equador, Colômbia e África do Sul – já liberam unilateralmente a exigência de vistos para turistas de outras nações.

Outras nações emergentes, porém – caso de China, Índia, Rússia, Turquia e Arábia Saudita – adotam o conceito de reciprocidade na concessão de vistos, exigindo o documento para visitantes cujos países requeiram vistos de seus cidadãos.

Princípio da reciprocidade

Defendida por associações de hotéis e agências de turismo brasileiras, a isenção de vistos a americanos sempre enfrentou resistências por parte do Itamaraty, que tradicionalmente advoga o princípio da reciprocidade nas relações externas.

Por esse princípio, o Brasil só poderia abrir mão de exigir vistos dos cidadãos de um país se esta nação aplicar a mesma medida em relação aos brasileiros. Os EUA, porém, não sinalizam disposição de isentar brasileiros de vistos num futuro próximo – e essa possibilidade pode ficar ainda mais distante caso o Brasil decida abrir mão de exigir vistos de americanos unilateralmente, segundo uma professora de Relações Internacionais ouvida pela BBC News Brasil.

Em nota, o Ministério do Turismo diz buscar a isenção completa de vistos para cidadãos de EUA, Canadá, Japão e Austrália – posição que já era defendida pela pasta na gestão anterior, no governo Michel Temer.

Até maio de 2017, a legislação brasileira proibia isenções de visto sem reciprocidade. A nova Lei de Migração, porém, passou a prever essa possibilidade.

Vistos eletrônicos para o Brasil

Desde o fim de 2017, cidadãos de EUA, Canadá, Austrália e Japão já desfrutam de um esquema especial de vistos para o Brasil. Eles podem obtê-los pela internet sem a necessidade de comparecer a um consulado, modalidade que acelerou e barateou o processo.

Segundo o Ministério do Turismo, um ano após a implantação do visto eletrônico, houve um crescimento de cerca de 40% nos pedidos de visto para o Brasil. O órgão, no entanto, não detalha quanto desse aumento se deve à vinda de americanos, japoneses, canadenses e australianos.

O ministério diz que, caso os pedidos adicionais tenham se convertido em viagens, houve uma injeção de US$ 71,5 milhões (cerca de R$ 268,6 milhões) na economia brasileira.

“A isenção do visto para países estratégicos faz parte de uma série de medidas que visam, entre outros objetivos, à redução no déficit da balança comercial do turismo. Em 2018, os brasileiros gastaram cerca de US$ 18 bilhões no exterior enquanto o estrangeiro deixou apenas US$ 6 bilhões na economia brasileira”, afirma o órgão.

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Image caption Orlando, na Flórida, é um dos principais destinos de brasileiros que visitam os Estados Unidos como turistas

O ministério diz que a isenção apenas reduziria a burocracia para a admissão de estrangeiros, sem comprometer a segurança do país. “Todos os procedimentos de segurança nos postos de controle da Polícia Federal serão mantidos”, diz o ministério.

Americanos, japoneses, canadenses e autralianos já foram dispensados de vistos entre 1º de junho e 18 de setembro de 2016, quando o governo queria estimular o turismo relacionado à Olimpíada do Rio.

O Ministério do Turismo diz que 163 mil vistantes dos quatro países viajaram ao Brasil no período, alta de 55,3% em relação ao mesmo período de 2015. Segundo a pasta, o número de chegadas de americanos cresceu 47%, o de japoneses, 61%, o de canadenses, 84% e o de australianos, 107%.

O órgão diz que os turistas desses países gastaram US$ 167 milhões no Brasil durante o período de isenção.

Países que mais enviam turistas ao Brasil

Americanos são o segundo maior grupo de visitantes estrangeiros no Brasil, com 7,2% de participação nas entradas e 475 mil turistas enviados em 2017, último ano com dados disponíveis.

O ranking é liderado com folga pelos argentinos, com 39,8% das entradas e 2,2 milhões de visitantes.

Japoneses ocupam o 18º posto, com 60,3 mil turistas em 2017, enquanto canadenses e australianos não aparecem no ranking dos 20 principais países de origem.

Para Elga Lessa, professora de relações internacionais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a isenção de vistos não deve ser encarada somente pela ótica do turismo.

Ela afirma que, ao desconsiderar o princípio de reciprocidade, o Brasil quebraria uma tradição que busca colocá-lo em pé de igualdade com as nações com que se relaciona. “Seria como se curvar para outros países”, diz Lessa.

Para a professora, a decisão “demonstraria ainda certa fraqueza na capacidade de negociação do país, que estaria abrindo mão de algo sem exigir nada em troca”.

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Direito de imagem REUTERS Image caption Ministério do Turismo defende a liberação de vistos para turistas dos EUA, Japão, Canadá e Japão para estimular o setor

Vistos para brasileiros nos EUA

Brasileiros têm enfrentado barreiras maiores para obter o visto americano desde o ano passado, quando consulados americanos passaram a exigir que maiores de 14 anos e menores de 79 fossem entrevistados para tirar o documento. Antes, pessoas com até 16 ou mais de 65 eram dispensadas do procedimento.

A exigência de entrevista também foi estendida a pessoas que queiram renovar o visto mais de um ano após seu vencimento (antes, a dispensa valia por quatro anos).

As mudanças refletem o endurecimento das regras migratórias no governo Donald Trump, que se elegeu prometendo ampliar o controle sobre a entrada de estrangeiros nos EUA.

“Temos uma grande saída de turistas, que gastam muito no exterior e não vão receber esse benefício (isenção de vistos). Precisamos refletir se realmente teríamos mais ganhos do que perdas com essa medida”, diz a professora Elga Lessa.

Fonte: www.bbcbrasil.com

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