Segundo o site centralcinebrasil.com, foi inevitável que a coletiva de imprensa de ‘Marighella’, nesta sexta-feira (15/fev), em Berlim, tratasse de relacionar a história do guerrilheiro morto há 50 anos com o cenário atual da sociedade brasileira. E tanto Wagner Moura quanto a equipe do filme se posicionaram fortemente enquanto resistência ao lembrarem Marielle, o genocídio de negros na periferia e a admiração do presidente Jair Bolsonaro pelos torturadores.
“O Estado brasileiro é racista. Marighella foi morto em 1969 pelo Estado, num carro, e depois disso uma mulher no Rio de Janeiro, também negra, de esquerda, num carro, foi morta provavelmente por forças do Estado também. A polícia no Brasil não é treinada para proteger o cidadão, mas para proteger o Estado.”
“Começamos o projeto em 2013, filmamos no governo Temer, para lançar agora. Então claro que o filme não é uma resposta a nenhum governo, nosso filme é maior que Bolsonaro. Mas claro que é um dos produtos da cultura brasileira que está em contraste ao grupo que está no poder no Brasil. A resistência em 1964 não é tão diferente em relação a de agora. Então é um filme para quem está resistindo agora, os LGBT, os negros da favela, as pessoas que terão problemas com esse governo”, disse Wagner, se lançando na direção com a cinebiografia que estreia mundialmente no Festival de Berlim nesta noite.
A equipe foi bastante questionada pela imprensa internacional sobre a guerrilha armada, curiosa para encontrar referências na conjuntura atual. Wagner, sempre admitindo a complexidade e o contraditório do filme e do próprio Marighella, respondeu que “não se está sugerindo que as pessoas precisam pegar em armas, mas também não está julgando quem achou que isso era a melhor coisa a se fazer naquele momento”.
O personagem Lucio, vivido por Bruno Gagliasso, repercutiu muito na conversa. Ele é o principal agente repressor do longa, e Wagner Moura inclusive fez referência ao delegado Fleury, “um herói para nosso presidente”. O ator se emocionou ao recordar a preparação – comandada por Fátima Toledo – para as cenas de violência diante de Seu Jorge, que vive o protagonista. “Eu tenho uma filha negra e esse filme é importante para o futuro dela”.
Humberto Carrão, que interpreta um guerrilheiro homônimo, ressaltou a relevância histórica de popularizar Marighella. “A gente fala na escola da Revolução Francesa, mas não fala das revoluções dos negros no Brasil. Então não saber quem é Marighella é de propósito. Acho que esse filme convida a um olhar mais complexo para o país”.
Diante de um debate mais técnico, Wagner respondeu que os planos fechados eram necessários diante da força de atuação de seu elenco, e que a forte presença da música – a cena divulgada antes da coletivo foi ao som de Chico Science, uma trilha utilizada logo no início do filme – foi uma escolha tardia. “Não queria um filme que se parecesse com o passado, que as pessoas se sentissem nos anos 1960, mas que as pessoas sentissem algo que está acontecendo agora. E no começo, eu não ia usar música, mas meu editor, muito generoso, disse que ‘o filme tem 2h40, coloque uma música’. Eu achei uma ótima ideia”, concluiu.
‘Marighella’, uma produção da O2 Filmes com co-produção de Globo Filmes e Maria da Fé, foi baseado no livro de mesmo nome do jornalista Mário Magalhães, lançado em 2012.
Estreia no Brasil
Além dos três atores citados – Seu Jorge, Bruno e Humberto – e o diretor Wagner Moura, participaram da coletiva as produtoras Bel Berlinck e Andrea Barata Ribeiro. Entre os presentes houve muita expectativa sobre o que imaginam da recepção do filme no Brasil, claro.
“O país está completamente dividido, então é muito importante mostrar o que aconteceu no passado, principalmente para os jovens. [Sobre a produção] É sempre difícil arrumar dinheiro quando você tem temas polêmicos, como foi no Cidade de Deus também. Mas conseguimos fazer a captação, com recursos do governo, recursos privados, e fechar o financiamento com uma certa dificuldade, mas fechamos. Agora, nossa distribuidora [Paris Filmes] ainda não sabe quando lança o filme. Ela acha que o momento não é adequado, mas a gente acha que é totalmente adequado, então nós vamos batalhar e se precisar fazer um lançamento independente, um financiamento coletivo, a gente faz”, afirmou Andrea.
Elas também contaram que a ideia é que o filme tenha uma circulação em favelas, comunidades quilombolas e acampamentos do MST simultaneamente ao circuito comercial. Questionado novamente sobre o fato de temer a repercussão de governo e população brasileira, Wagner reforçou:
“As populações estão em perigo na favela, entre as pessoas negras que sofrem com o genocídio do Estado, a comunidade LGBT. É um presidente abertamente homofóbico e racista. Estamos aqui mostrando nossos rostos, e o nome dos atores está junto do nomes dos personagens porque eles querem assinar. Vamos encarar muita merda na volta ao Brasil, mas não estamos com medo, estamos aqui para isso. Se é ruim para nós, é muito pior para essas populações”.