Em tempos das facilidades advindas da tecnologia da informação e da comunicação, talvez estejamos vivendo mais um capítulo da bestialidade humana. Nada contra o advento dessas tecnologias, apenas questiono o uso que se faz delas atualmente. Ganhando para qualquer outra facilidade do mundo moderno, o celular está não só presente como também onipresente em nossas vidas. Não há lugar em que não sejamos surpreendidos por ele, mesmo que não seja o nosso.
Em outros tempos, celular era para poucos e servia principalmente para falar. Hoje o Brasil tem mais de um aparelho por habitante e o celular serve, dentre outras coisas, também para falar. Ainda há pouco riamos do celular-tijolo, pois, num passado não muito distante, ter um aparelho pequeno significava que você podia pagar por um e também era sinônimo de discrição. Hoje as pessoas fazem questão de exibir suas polegadas e não importa muito se você pôde ou não pagar por um celular desses.
O que importa mesmo é estar antenado, melhor dizendo, conectado. Só o fato de você não ter um smartphone já te fazem um pré-juízo: não tem condições, ganha pouco ou não sabe o que é nem para que serve. Se você não tem Facebook ou WhatsApp, então é um estranho no ninho, ou melhor, fora do ninho. E o que essas ferramentas acrescentam às nossas vidas de fato? Fotos, mensagens, vídeos, fofocas, correntes, orações, bizarrices e tudo o mais que nossa mente possa imaginar?
Será que não temos exagerado na importância dada a essa ferramenta tecnológica? Hoje o celular e seu usuário conseguem se coadunar numa coisa só. Lugares onde o primeiro em tese não deveria estar presente, o segundo faz questão de levá-lo: cinemas, teatros, salas de aula, reuniões, velórios, relações sexuais, catástrofes de toda ordem. Num momento em que todo mundo é fotógrafo e cinegrafista, registrar se tornou uma das principais funcionalidades do celular. Muitas vezes, vale mais uma curtida gravar alguém passando mal do que largar o celular para socorrê-lo. Assim, as pessoas passam a registrar tudo, desde o nascimento de um bebê até um cão fazendo cocô. Critério é o que menos importa. Tendo espaço no grande álbum de família em que se tornaram a memória do celular e do computador é o que interessa.
O que falar então de uma vitrine chamada facebook? As pessoas fazem desse recurso uma lupa para ampliar o próprio ego: exibem sua vida íntima, pessoal, privada, geralmente com o intuito ínfimo de causar uma leve inveja a seus adicionados. Ostentam viagens, festas, fazem desfilar uma pseudointeligência recheada de frases prontas, sem falar das mentiras. Existe algum lugar mais propício para mentir do que na internet? Claro que isso não é regra, mas infelizmente a futilidade é a campeã do facebook.
Sem querer exagerar, trata-se do culto do vazio. Muitos dizem que a ferramenta veio para aproximar as pessoas, talvez sim, mas não foi isso que os usuários fizeram dela. Lamento alertar sobre a realidade inexorável: na era das redes sociais, nunca fomos tão antissociais. Tirando as vezes em que desmarcamos um encontro ou uma atividade cultural entre amigos para ficarmos na internet, é corriqueira a cena de pessoas em grupo, em locais públicos, mas cada uma desfrutando da sua individualidade com o seu celular. Os exemplos são inúmeros, sempre tem alguém acessando o celular nas seguintes circunstâncias: durante as refeições, “assistindo” a uma reunião, aula ou palestra, no cinema, teatro, numa roda de amigos, durante uma conversa com alguém, enquanto atende a um cliente, enquanto atravessa o trânsito, etc.
E as selfies? De repente voltamos no tempo e encarnamos a figura de Narciso. Nunca cultuamos tanto nossa própria imagem! Qualquer situação se tornou digna de selfie: tirar selfies em meio a escombros de um acidente ou catástrofe natural; importunar pessoas públicas a qualquer momento por uma foto; tirar selfies o tempo todo com os amigos em vez de curtir um programa legal com eles; tirar selfie com um defunto em pleno seu velório talvez deva ser uma forma de matar a saudade. Definitivamente essas tecnologias da comunicação não trazem em seus termos de uso a expressão bom senso.
Na era da comunicação em que tudo é visto, registrado, compartilhado, pouca coisa fica. Nossa memória se tornou um software desatualizado, obsoleto. Privilegiamos o registro em detrimento de vivenciar os fatos, as experiências, e para quê? Para tudo cair no esquecimento no dia seguinte. Quem, por exemplo, se habituou a revelar as fotografias que tira? Difícil, não é mesmo? Seu celular certamente tem mais mensagens recebidas do que ligações? Você não consegue ficar sem acessar seu Face? Nunca se arrisca a desligar seu celular? Então seja bem-vindo ao grupo! Posso adicioná-lo ao grupo dos Memórias Descartáveis. Curtiu?