Assistindo uma das séries em que me joguei para distrair da ansiedade e tensão pós-segundo turno, ouvi uma frase que fala muito da situação em que vivemos no Brasil: “Em tempos como estes o otimismo é o maior ato de coragem que podemos ter”. O que parece ser mais uma frase qualquer de qualquer personagem de série me levou a várias reflexões, o que me parece ser muito mais um lapso cerebral, que em nós faz com que tudo seja rapidamente ligado à situação política nacional. Mas afinal, o que uma frase sobre otimismo, que poderia ser encarada com certa positividade religiosa, levanta sobre fatos recentes da política brasileira?
Chegamos a pouco mais de duas semanas do governo Bolsonaro. A barbárie anunciada ainda antes das eleições 2018 para alguns e a salvação desenhada por outros levou a uma situação de polarização que perdura ainda hoje. Com um governo buscando manter sua fórmula aos trancos e barrancos e uma oposição institucional fragmentada, tudo parece tão turvo quanto a névoa que cobriu o país de forma forçada a partir das manifestações de junho de 2013. Não sou capaz de percorrer os hormônios e silepses cerebrais de cada brasileiro, mas um exercício do que é a demonstração coletiva de cada um dos aparentes lados me permite tentar refletir sobre os desafios do otimismo.
A campanha de Bolsonaro não começou em 2018. O então Presidente da República desenhou com força seu percurso anos antes. Os números de Outdoors espalhados por cidades, o uso excessivo das redes sociais, as articulações de camareiras, os patrocinadores movendo suas peças. O gerador de otimismo de Bolsonaro foi enorme. Ele conseguiu mover de um lado o repúdio ao PSDB e deslocou eleitores ao vácuo que ocupou, do outro lado ele conseguiu surfar no desânimo diante do fracasso petista municiado por uma mídia astuta, assim ele foi o que mais ganhou com o direcionamento objetivo da Lava Jato, com o Impeachmente da Dilma e com a falta de otimismo da esquerda. Bem, antes que pareça que falarei muito sobre o que todos já sabem, meu texto não é científico, mas é simplesmente sobre otimismos.
O filósofo Vladimir Safatle fala bastante sobre como a política é capaz de mover afetos, inclusive o medo. O otimismo é um afeto. A capacidade de se animar com algo e como consequência se mover por aquele algo. Sem dúvidas quem consegue otimizar a capacidade de movimento ganha projeção e se destaca, mesmo nem sempre respondendo a números. Veja bem, um operário foi capaz de mover muita gente e chegar à presidência pela capacidade de otimizar. Um negro conseguiu otimizar forças e chegar ao posto político de maior representação do mundo. O problema é que nem sempre otimizar significa acertar ou caminhar do lado daqueles que se animaram, e quando isso acontece o ressentimento e a decepção são características afetivas que a política também move.
Desde a primeira eleição vitoriosa de Lula, a capacidade de otimizar foi decaindo. Sindicatos, movimentos estudantis, etc., passaram da função de vendedores de sonhos para críticos vorazes do governo ou cúmplices (a regra jamais exclui a exceção). Não que criticar não seja correto, mas passamos muito mais ao debate de projetos sem transformação radical do que os que pudessem nos levar a caminhar por sonhos e alterar a realidade. A esquerda passou a vender a ideia de administrar o Estado ao invés de levar os sujeitos a protagonizar seus próprios caminhos e sonhos políticos. A capacidade de ser otimista administrando uma empresa que não se entende como sua, que retira de você mais do que lhe possibilita ganhos é o fracasso. Nos tornamos atores de uma burocracia que não facilita, mas que complica. Ninguém vai entender o papel de Stalin na derrocada da URSS e como isso tem uma relação com o Lulismo se não somos capazes de perceber que o argumento da anacronia ou “isso tá ultrapassado” são somente disfarces e desvios de otimismo.
Pois bem, somos carentes de otimismo. Se a situação em que chegamos não nos empolga, antes também não empolgava. Ninguém “solta a mão de ninguém” demorou demais de chegar à mãe negra periférica que perdeu todos os filhos para guerra às drogas. Para o militante de base que não tem a grana do buzú pra chegar nas manifestações coloridas do centro da cidade e tem que ser punido por sua organização por isso. Óbvio que vender otimismo com recursos econômicos maiores é mais fácil, Bolsonaro que o diga, mas como uma esquerda que se diz querer vencer o capital não planeja isso? Não pensa nisso? Paramos de vender otimismo e, portanto, paramos de vender coragem. Agora exigimos com velocidade essa coragem que não trabalhamos nas últimas gerações, e quando tínhamos a chance de vendê-la, destruímos com os sonhos de junho de 2013. Estamos carentes de otimismo, de rebeldia popular, de coragem. Levantar cedo, tomar uma xícara de café e ir trabalhar no buzão lotado ou andando quilômetros é o maior ato de coragem que muitos de nós temos tido. Quem quer nos vender coragem não está no buzão lotado ou andando com a gente às fábricas, porque pegam Uber para restaurantes no Leblon onde irão se encontrar com Rodrigo Maia e fechar um acordão que garantirá recursos no Congresso. Para a coragem se fazer presente é preciso que antes nos tornemos otimistas.