O perrengue de Zé Gonzaga e Luiz Gonzaga… no emaranhado do céu

Foto: Guilherme Machado Historiados historiador/facebook

O PERRENGUE DE ZÉ GONZAGA E LUIZ GONZAGA… NO EMARANHADO DO CÉU.

José Januário Gonzaga do Nascimento era um obstinado. Saiu de Exu, no sertão do Araripe pernambucano, a pé. Levou vinte dias para chegar em Petrolina, onde pegou um pau-de-arara com destino ao Rio de Janeiro. Não se deu bem no Rio, então decidiu ir para São Paulo, igualmente a pé, Levou 28 dias para chegar à capital paulista. Lá tampouco encontrou emprego. Viajou pelo interior do estado trabalhando como agricultor, ofício que conhecia muito bem. A mãe, o pai, irmãs e irmãos não conheciam outro meio de ganhar a vida.

Em 1941, estava de volta ao Rio. Soube que um irmão dele morava na cidade. A mãe enviara-lhe o endereço da pensão onde Lula, o irmão, hospedava-se. Foi bem recebido. Lula perguntou se José viera para ficar. Ele respondeu que sim. Perguntou se tinha documentos. Ele respondeu que não. Disse que isto seria providencias, mas alertou a José para que não saísse da pensão. A polícia prendia quem fosse pego sem documentos.
Lula era músico da noite. Tocava nos bares do mangue, o baixo meretrício da então capital do país. Além de dinheiro, ganhava muitos maços de cigarros, que dava ao irmão para vender. Era a fonte de renda de José. Oito meses mais tarde, com documentos na mão, José entrou para o exército. O mundo estava em guerra. Por pouco ele não foi para a Itália, como pracinha da FEB (Força Expedicionária Brasileira).

O irmão tocava sanfona. José também tocava. Ambos aprenderam com o pai, exímio tocador de pé-de-bode, o fole de oito baixos. Quando José deu baixa do Exército, Luiz já era relativamente bem-sucedido, tocava no rádio. Ganhava o suficiente para comprar uma sanfona de 120 baixos, a fim de que o irmão tirasse dela o sustento. José era safo, falador, e tinha talento. Dirigiu-se a uma casa noturna conhecida, a Novo México, na Lapa, e ofereceu-se para trabalhar lá. Foi aceito. Logo estaria tocando em várias cabarés.

Em 1949, o teatrólogo Geysa Bôscoli (tio de Ronaldo Bôscoli e de Jardel Filho), o convidou a tomar parte na companhia que levaria a Buenos Aires. Foi a primeira viagem internacional de José. Dois anos mais tarde ele , estaria na caravana babilônica que Francisco de Assis Chateaubriand levaria para Paris, numa espalhafatosa e tropicalissima fez no palácio do estilista Jacques Faith, então um dos mais badalados do mundo, cujo objetivo foi divulgar a cultura e o café brasileiros.

Ao voltar da viagem, foi contratado pela TV Tupi, e pela gravadora Star. Passou a ser conhecido como Zé Gonzaga. Lula, o irmão, já com fama nacional como Luiz Gonzaga (seu nome de batismo), não gostou do nome artístico de José.

“Teve belíssima repercussão nos meios musicais e radiofônicos, a deselegante atitude de Luiz Gonzaga de proibir seu mano, o Zé Gonzaga, de usar o seu sobrenome. Será que o lua está com medo da concorrência, da voz e da sanfona do seu querido irmãozinho? O Paulo Gracindo tomou a defesa do Zé Gonzaga”, nota da coluna que Abelardo “Chacrinha” Barbosa assina na Revista do Radio, publicação especializada mais popular do país.

Um dos artistas mais populares do país na época, Luiz Gonzaga explicou à Revista do Rádio que quando encaminhou o irmão para o rádio combinaram que ele adotaria o nome de José Januário, uma reverência ao pai: “O que aconteceu foi que meu irmão se esqueceu daquilo que havíamos tratado e, levado por outros, gravou seu primeiro disco com o nome de Zé Gonzaga”. Lua atribuiu a atitude de Zé a influencia de terceiros. Garantia que não havia problemas entre os dois, apesar desta divergência.

Não foi o que disse Priscila, colega de infância dos filhos de Januário e Santana, no Araripe, no Exu. Em entrevista para matéria especial sobre os cem anos de Luiz Gonzaga, em 2012, nonagenária, mas extremamente lúcida, Priscila se lembrou de uma briga entre Lula e Zé, na calçada da Rádio Mayrink Veiga que juntou gente, e foi tão demorada que deu tempo de ir buscar “mãe Santana” para apartar os dois irmãos.

DIFERENÇAS

Zé Gonzaga era nove anos mais jovem que Luiz Gonzaga, e as diferenças entre os dois ia muito além da idade. Lua era fechado, ranzinza, regrado, de muitos amigos, mas de raramente ir à animada noite carioca dos anos 50. Sempre preferiu a Zona Norte à chique Zona Sul. Zé Gonzaga era o oposto do irmão. Alto, magro, o riso sempre aberto, os grandes olhos verdes vivos e brilhantes (alguns dos filhos de Santana herdaram dela a íris clara, verdes ou azuis, que veio dos Alencar, cujo sangue corria nas suas veias). Era da galhofa, de beber sem moderação, e de contar vantagem.

Quando comprou o primeiro carrão posou no capô, elegantemente vestido, poderia ter sido rotulado de “forró ostentação. O automóvel chamava atenção porque o cantor colou pelo carro vários adesivos com seu nome.

Estava, no entanto, longe de equiparar-se em talento ao irmão mais velho e mais famoso. Porém tinha luz própria, e foi à sua maneira um inovador, por não seguir a ortodoxia dos ritmos estilizados por Luiz Gonzaga, tampouco a temática. Zé Gonzaga gravou muito samba, fez sucesso com um boogie woogie (O baile da tartaruga), e em 1950 já cantava sobre Óvnis (em Disco Voador, de Abelardo “Chacrinha” Barbosa e José Gonçalves). Cantou canções totalmente fora do universo regional, feito Pra você gostar de mim (Taí), de Joubert de Carvalho, marchinha lançada por Carmem Miranda, em 1930, embora quase um arrasta-pé, ele se acompanhando com a sanfona.

Luiz Gonzaga tinha seus motivos para se irritar com o irmão. Como se não bastasse ter se recusado a trocar de nome artístico, ele deu o título de Zé Gonzaga, sua sanfona e sua simpatia ao seu primeiro LP pela Copacabana (de 1957. Sua sanfona e sua simpatia era epíteto de Gonzagão, que lhe foi dado por Paulo Gracindo. Ele ia tanto na cola de Lua que, numa coluna de fofocas da revista Radiolândia fizeram uma gozação com ele: “Zé Gonzaga, mesma simpatia, mesma sanfona, mesmo sorriso … do irmão”.

Além de sanfoneiro, Zé Gonzaga foi um compositor competente, se bem que naquele tempo era difícil se saber se houve mesmo participação ou se a parceria foi cedida. Assim como Luiz Gonzaga, ele adaptava temas que aprendeu com no Araripe, um destes foi O cheiro da Carolina que Chiquinha Gonzaga, sua irmã, contava que ela já escutava quando criança. Cezário Pinto, gravada por Zé Gonzaga, um tema de domínio público foi adaptado e editado como de autoria de Severino Januário, o outro irmão de Gonzagão.

A carreira de Zé Gonzaga declinou nos anos 60, quando o iê-iê-iê dominou o mercado e escanteou o forró das grandes cidades. O último disco dele na década de foi Alma de sertanejo (1963). Só voltaria a lançar outro LP em 1971. Lançaria mais seis álbuns durante a década de 70, mas sem fazer sucesso, vendendo pouco. José Januário Gonzaga do Nascimento faleceu em 12 de abril de 2002.


Fonte: Jornal do Comércio de Recife. 2002
Foto: Acima de Zé Gonzaga e o ator e radialista Paulo Gracindo.

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