Os Vivos e as Coisas

Texto e arte por Sama, para o Duplo Expresso:


 

Os Vivos e as Coisas

Quando não tratarmos bem dos nossos mortos,

seus fantasmas nos assombrarão eternamente.

Há no subsolo brasileiro,

uma imensurável quantidade de sagradas riquezas,

que é amaldiçoada por uma gigantesca legião

de corpos que ocupam estas mesmas entranhas…

Outrora foram pessoas que não tiveram

suas vidas e mortes respeitadas…

Encontram-se misturados aos veios de ouro,

prata, nióbio, ferro e minérios de toda sorte.

São Índios, Negros, Mulheres e Homens.

Todos pobres, desviados, desavisados,

inconformados, indignados,

crianças e velhos com suas histórias e tradições…

Sacrificados junto com rios, matas e animais

em nome dos parasitas do Capital.

Mas até os vermes sabem que,

uma vez contaminado o Sal da Terra,

o barro que nos molda se tornará um pó de nada,

sem nutrientes e nem para adubo nós serviremos…

A sanha dos 0,01% terá seus 99,9%

de satisfação instantânea, analógica e virtual para,

então, num curto orgasmo artificial,

extinguir-se também num sopro de tempo,

que durará menos do que a lembrança

de um sonho bom numa manhã atribulada

no pregão da bolsa.

Para esta maldição ser quebrada,

primeiramente devemos libertar nossos mortos,

honrar suas memórias e lembrar suas glórias.

Só então nós vamos nos encher

de sentido novamente e voltar a sermos

capazes de distinguir entre os vivos e as coisas…

As coisas são aquilo que

se pode comprar,

negociar,

oferecer…

Elas não são boas nem más, são apenas coisas.

Sua serventia é que deve ser imbuída de propósito.

Quanto aos vivos, estes devem despertar,

mesmo que tardiamente,

para tentar evitar o caminho que já nos leva

diretamente a um horizonte turvo.

Quando os últimos homens de bem desta terra

andarem pelo que restou do país,

hão de se lembrar que não precisava ter sido assim.

Celebremos e aceitemos os nossos mortos

para podermos reencontrar o sentido da vida

Os ocupantes das covas rasas,

encontrarão na sua derradeira viagem

as mesmas condições dos hóspedes

dos mais suntuosos mausoléus e

a Terra sem distinção nos devorará a todos.

Um gesto democrático da natureza

para nos lembrar que, para ela,

somos todos iguais.

51188391_1974853446157946_5495963486242471936_n.jpgSaudações samânicas!


Fonte: www.duploexpresso.com

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