por Jaime Gesisky
Um projeto de lei no Senado (PL 2362/2019) com apenas três artigos pode causar um estrago descomunal na vegetação nativa e provocar o desmatamento de 167 milhões de hectares no território brasileiro.
De autoria dos senadores Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC), a proposta revoga todo o capítulo IV do Código Florestal – que trata da Reserva Legal – e abre brechas para a exploração das Reservas Legais pelo agronegócio. A área sob risco equivale 20 por cento do território brasileiro – ou três vezes o tamanho da Bahia.
A maior parte do território em vias de ser condenado ao desmatamento é inapta para a agricultura e pode se tornar pasto degradado em até uma década. O alerta vem de uma análise feita pelo pesquisador Gerd Sparovek, professor titular da Universidade de São Paulo (USP-Esalq).
De acordo com a análise, a área que poderia ser legalmente desmatada com base no Código Florestal (Lei 12.651/2012) aumentaria em 89 milhões de hectares no Bioma Amazônico, 46 milhões de hectares no Cerrado, 15 milhões de hectares na Caatinga, 12 milhões de hectares na Mata Atlântica, 3 milhões de hectares no Pantanal e 3 milhões de hectares no Pampa, somando, ao todo, 167 milhões de hectares aos 103 milhões de hectares que já podem ser legalmente desmatados com as regras atuais do Código Florestal.
Caso estas áreas venham a ser desmatadas, elas perdem seu papel ecológico, que é manter o equilíbrio ambiental. O resultado será a degradação dos recursos hídricos, crises de abastecimento, perdas massivas de biodiversidade e instabilidades climáticas locais e global.
O prejuízos também afetariam a agricultura por falta de polinizadores, aumento de pragas e doenças e frustração de safras por seca ou excesso de chuva.
“O que mais nos preocupa é o fato de que o projeto de lei tem como justificativas apenas informações da Embrapa Territorial, que cria e defende argumentos para um setor do agronegócio brasileiro. Na nossa análise consideramos dados de estudiosos de várias partes do mundo e que atuam nas mais diversas áreas da ciência”, destaca Gerd Sparovek.
Segundo ele, o benefício direto da lei não é o desenvolvimento da produção agropecuária, já que a maior parte das Reservas Legais ocorre sobre terras pouco aptas para agricultura intensiva apoiada por tecnologia.
A valorização dos imóveis agrícolas e a exploração dos produtos do desmatamento como madeira e carvão, benefícios diretos do desmatamento de terras pobres, são apenas do proprietário das terras, prossegue o pesquisador.
O desmatamento de terras improdutivas não gera benefícios coletivos, como é o caso da produção agropecuária, que leva a segurança alimentar, exportações, trabalho, renda ou consumo de bens e serviços, explica.
“A valorização imobiliária beneficia exclusivamente o proprietário das terras, ficando assim, este aspecto, desconectado do bem-estar social ou da função social das terras”, lembra Sparovek.
Ainda segundo o pesquisador, os estudos e projeções publicados em revistas científicas, sem exceção, indicam que, mesmo considerando cenários muito favoráveis ao crescimento da demanda por produtos agropecuários brasileiros, não há necessidade de desmatar novas áreas nos próximos 50 anos para o aumento da produção.
Os ganhos de produtividade e o uso eficiente das terras já abertas são mais do que suficientes para expandir o agro brasileiro sem os impactos ambientais do desmatamento, conclui Sparovek.