por Jade Coelho
A instituição de um grupo de trabalho para avaliar a “conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil” pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e os prejuízos para a saúde pública apontados por ONGs antitabaco em crítica à medida foram apontadas pelo médico pneumologista e professor do curso de medicina da FTC, Adelmo Machado, como muito “simplista”. Segundo o médico, a redução dos custos tornará maior o acesso aos cigarros.
Para o médico, o tabaco, a dependência química da nicotina e os consequentes problemas de saúde são um problema multifatorial e de Saúde Pública que implicam em questões comportamentais. “Eu acho que a gente tem que ter ação política multifatorial, na educação”, defendeu Machado ao listar os fatores que levam as pessoas ao tabagismo.
“Influência de grupos de amigos; família e a não proibição, que aumenta o consumo, ou seja, um pouco de restrição familiar e de limite não mata ninguém; religiosidade também é importante; ser de escola pública ou particular não faz diferença nenhuma, e pessoas que tem maior rendimento, famílias com maior rendimentos em salários mínimos, tendem a fumar mais; e o sexo masculino tende a fumar mais. Esses seriam os principais fatores”, listou.
O pneumologista ainda chamou atenção para as doenças tabaco relacionadas, e a ligação entre o vício em nicotina e doenças mentais, como depressão, ansiedade e esquizofrenia.
A compulsão pelo tabaco por ser associada a outras doenças? Mentais, por exemplo?
Sim. O tabaco é um dos principais problemas que nós temos de Saúde Pública. Nós temos os outros problemas como o álcool, que não é foco, mas ele é um problema de saúde pública. E antes de entrarmos no tema propriamente vale a pena dizer que no Brasil a gente tem reduzido sim o consumo do tabaco nos últimos 10, 15 anos. Hoje nós estamos em torno de 8% e 10% [da população] de tabagistas, 10% é um número bastante aceitável e o tabaco é um dos responsáveis pela doença. Acomete mais homens, em torno de 13%, 14% dos homens. Em si, a dependência do tabaco já é uma doença, que a gente considera já é prevista no CID 10, como dependência de nicotina. E a nicotina que é a substância inalada pelo tabaco que pode ser na forma de cigarro propriamente dito, na forma de narguilé, na forma de cigarros eletrônicos. E estamos falando aqui do cigarro que pode ser o artesanal, que eles chamam de pacaio, e do industrializado. Ele tem uma série de substâncias tóxicas, mais de quatro mil substâncias tóxicas. Entre elas temos substâncias que causam infarto, que é o monóxido de carbono, que é produtor da combustão, e também radiação ionizantes. Ele vai causar sim, além de ser propriamente uma doença, uma dependência química e comportamental, ele ainda causa outras doenças, que a gente chama de doenças tabaco-relacionadas. Que é a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPC), enfisema pulmonar, mais bronquite crônica, os cânceres, de boca, pulmão, esôfago, por exemplo, que são cânceres muito associados ao tabagismo. Ainda temos a doenças astro esclerótica precoce, que é o envelhecimento precoce das artérias, o infarto agudo do miocárdio, AVC. Isso tudo são doenças que limitam muito as pessoas, o problema é que as pessoas podem ser acometidas de forma precoce na vida e ser dependente. O que falo a morte é a morte, a gente nasce com ela, o problema maior não é ela, é viver bem, e isso afeta bastante a qualidade de vida dessas pessoas.
A pesquisa Vigitel, levantamento anual feito Ministério da Saúde, indicou uma redução nos índices de fumantes adultos, mas aumento entre os jovens. A que podemos atribuir este aumento?
Por que as pessoas se submetem a riscos? Isso foi produto inclusive da minha tese de doutorado. Uma coisa muito boa na nossa vida é a curiosidade. Só que a curiosidade nos coloca em risco também. E muitas, a maioria dessas pessoas, experimentam por uma curiosidade, pra conhecer aquela sensação, determinada substância, não só tabaco. O outro fato que tem também é influência de grupo de amigos, a rede de amigos, ela é muito importante nesse sentido. A rede tem uma importância muito capital. Então a influência do grupo de amigos vai influenciar muito nesse sentido. E o próprio efeito da droga, que relaxa e acalma. A nicotina tem essa capacidade. O problema é que a nicotina é extremamente adicta, ela vai agir tal como estimulando os receptores nicotínicos, e isso aumenta o nível de substâncias dentro do cérebro, que dão prazer e relaxamento. Ao mesmo tempo, com o uso precoce dela, acontece algo no sistema neurobiológico. Ela vai fazer com que você ou o comportamento seja ajustado pelo lobo pré-frontal e a gente começa a desenvolver uma compulsão. Então a explicação é essa: o próprio comportamento do adolescente. Mas ainda é baixo, temos em torno de 5%, 6% de consumo entre jovens, não é uma coisa alarmante, porém, um percentual desse significativo dos que que usaram no último mês. Na minha tese, eu tive quase 8% de dependentes que preenchiam critérios de dependência de tabaco, então isso é um problema bastante grande numa saúde de um jovem com média de idade de 15 anos.
Ainda sobre a pesquisa, os dados indicaram que a taxa de fumantes é maior entre homens do que entre mulheres, e mais alta entre adultos com menor escolaridade do que entre aqueles com 12 anos ou mais de estudo. É possível dizer que se a qualidade da educação brasileira melhorasse, o número de fumantes seria reduzido?
O Brasil é o país que se fuma menos. A Europa que tem alta escolaridade tem alto grau de tabagismo. Ultrapassa 20%. Estados Unidos não fica atrás. O Brasil foi o pioneiro nas campanhas contra tabagismo, com propaganda, etc, Então nós temos realmente uma sorte de fumarmos pouco, porém a gente bebe mais. O que acontece com a escolaridade? Eu acho que escolaridade faz com que a gente tenha menos noção de risco. Mas não é só escolaridade, o consumo do tabaco é multifatorial. É o prazer, o relaxamento, ele pode causar e está associado à depressão, como para querer reduzir a depressão e outras doenças psiquiátricas, ou ele é também causador de doenças psiquiátricas. Síndromes compulsivas, depressão, esquizofrenia, tem alguma associação. Já tem trabalhos mostrando isso. Quanto às pessoas com escolaridade baixa, não significa que se você melhorar a educação necessariamente vai diminuir o consumo. Educação vai ser boa pra todo mundo, mas isso não seria o argumento principal, seria maior exposição e menor avaliação de risco.
Outro dado apontado na pesquisa é de que, no Brasil, as cidades de Curitiba, São Paulo e Porto Alegre estão entre as que possuem o maior número de fumantes. Enquanto Salvador foi indicada com o menor índice de tabagistas. Existe alguma relação entre tabagismo e o clima? Já que as cidades com mais fumantes tem clima mais frio, enquanto a com menor número registra temperaturas mais altas?
Não necessariamente. São cidades grandes. Aqui a gente fuma menos e bebe mais, mas o clima não necessariamente. São hábitos desenvolvidos mesmo. São Paulo se fuma muito, muito mesmo.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública instituiu no fim de março um grupo de trabalho para avaliar a “conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil”. A medida teria o objetivo de “diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele recorrentes”. No entanto, a proposta foi duramente criticada por ONGs antitabaco que acreditam que isso traria prejuízos para a saúde pública. O senhor acredita que essa medida poderia aumentar o acesso e consequente o número de fumantes? Qual a sua avaliação sobre ela?
Isso é ser muito simplista pra um problema só. É um problema multifatorial, que implica em questões comportamentais, questões efeito droga. Uma pessoa que é dependente química ela vai na boca de fumo, ela sabe do risco ou não sabe? Sabe do risco. E vai. O custo é um dos problemas, mas não é o único. Eu acho que a gente tem que ter ação política multifatorial, na educação. Outra coisa, o que influencia muito para o início do tabagismo? Influência de grupos de amigos; família e a não proibição, que aumenta o consumo, ou seja, um pouco de restrição familiar e de limite não mata ninguém; religiosidade também é importante; ser de escola pública ou particular não faz diferença nenhuma, e pessoas que tem maior rendimento, famílias com maior rendimentos em salários mínimos, tendem a fumar mais; e o sexo masculino tende a fumar mais. Esses seriam os principais fatores. Outra coisa que está associado muito ao tabaco que as pessoas não falam, e não adianta fazer uma política para tabaco sem fazer uma política pra álcool. 40% desses jovens usam álcool e tabaco ao mesmo tempo. Então o álcool é um dos fatores predisponentes para o consumo de tabaco, então não pode simplificar apenas na redução ou aumento de impostos. Eu acho que se você reduzir custos você vai aumentar o acesso a essas drogas, porém não vai mudar, pode não mudar muita coisa.
Chegando o dia das mães, quais os riscos do tabaco durante a gravidez? E para crianças pequenas ou recém nascidas?
O fumo é o maior poluidor doméstico, ele deixa partículas muito pequenininhas e isso vai causar mais alergias respiratórias, mais asma, mais rinite, mais infecções respiratórias. Fumar durante a gravidez é igual você tomar um anti-inflamatório durante a gravidez, ou qualquer outro remédio, é uma temeridade. Você não deve beber, nem fumar, nem usar nenhum tipo de substância, e se for usar algum medicamento, usar sob orientação médica. E outra coisa, dentro de casa, limites. O limite é extremamente importante, dizer ‘não, nós não gostamos de cigarro e não aprovamos cigarro’. O interessante da influência é de que pais que fumam aumentam o risco de adolescente fumar, a influência do pai e da mãe principalmente.
A mãe então é um exemplo maior ou mais forte?
É muito marcante, mãe que fuma tem essa influência marcante. E se ambos fumam aí é pior ainda. Você potencializa as chances do adolescente fumar, então se é dia das mães, preserve suas crianças.
Existe alguma predisposição genética para o consumo do tabaco?
É multifatorial, como eu já disse, Na realidade a precocidade é a neurobiologia, é o sistema límbico funcionando, a amídala cerebral, que fica bem no meio do cérebro, que é responsável por esse estímulo, e esse estímulo vai ser mediado pelo lobo pré-frontal por fibras ventrais, e o cérebro diz ‘olha, cuidado, isso não é uma boa coisa para você’, só que na adolescência a gente não tem a contra regulação do sistema pré-frontal, e logicamente vai ter maior pré-disposição a dependência. Fora o efeito de tolerância que a própria nicotina tem, que aumenta o número de receptores e a afinidade, o receptor fica muito próximo a nicotina, fica muito ávido, fora que o número de receptores aumenta muito, principalmente quando a gente é muito jovem. Então a dependência é multifatorial e neurobiológica.
Há quem, na tentativa de deixar o vício do cigarro, utilize cigarros eletrônicos. Esse aparelho oferece algum risco? Essa “estratégia” é válida?
Não. É muita nicotina, é prejudicial, não é indicada, não tem evidência em medicina, não use. Procure assistência médica para tratar, a gente trata, a gente tem programas, tanto no SUS quanto a nível particular, programas específicos, onde a gente tem medicamentos, controles médicos, e o tratamento se chama cognitivo comportamental, nada mais, nada menos, é de que a gente vai conversar com o paciente sobre o tabagismo, ver se ele deseja parar, porque ele tem que desejar para de fumar, se ele não quiser não adianta fazer tratamento nenhum, porque a nicotina vai continua entrando em carga muito alta.