João Fellet e Amanda Rossi – Da BBC News Brasil em São Paulo
Ricardo Boechat marcou o jornalismo brasileiro por fazer comentários críticos e irônicos ao mesmo tempo em que usava uma linguagem coloquial e bom humor – uma postura rara num ambiente ainda marcado por formalidades, segundo colegas e pesquisadores.
Para o jornalista e crítico de TV Mauricio Stycer, a naturalidade ao apresentar as notícias fazia de Boechat um âncora único: “Houve poucas experiências no Brasil de apresentadores de telejornal que vão além do teleprompter (aparelho que mostra o texto que o apresentador deve ler no ar). Nesse sentido, Boechat foi o mais bem sucedido de todos. Sempre foi muito natural no vídeo”.
Boechat morreu nesta segunda-feira em um acidente de helicóptero em São Paulo – assim como o piloto da aeronave, Ronaldo Quattrucci.
“Boechat falava de um jeito aparentemente simples, fácil de compreender, embora seus raciocínios sempre fossem elaborados. Isso é um talento raro, se comunicar com profundidade, mas com simplicidade e humor”, diz Stycer.
“Opinava como um complemento ao noticiário. Não tinha um estilo de induzir o espectador a pensar como ele, não fazia campanha.”
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O professor de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci afirmou que Boechat revolucionou a forma de fazer jornalismo popular.
“Ele conseguiu desenvolver uma grande qualidade de interlocução com os ouvintes de rádio. Ele virou uma instituição nas manhãs do rádio brasileiro. Ele tinha uma vocação de transmitir a indignação e vibração de fundo cívico de uma base cidadã em relação àquilo que ultrajava o senso comum”, afirmou Bucci.
Bucco afirmou ainda que Boechat deixou um legado para ser seguido pelos profissionais da área.
“(Ele ensinou que) o jornalista deve falar com clareza, com vibração e saber que o jornalismo também precisa de coração, de indignação e paixão. Que o jornalista precisa buscar a notícia na frente e ser apartidário.”
Para Bárbara Avrella, doutoranda em comunicação social pela PUC do Rio Grande do Sul, que analisou o discurso de Boechat no rádio e na TV, as principais características do trabalho do jornalista eram indignação, ironia, sarcasmo e naturalidade.
“Boechat deixa como legado a transmissão da notícia de uma forma correta, mas sem deixar de expressar sua opinião”, diz Avrella.
Trajetória de Boechat
Filho de um diplomata brasileiro, Ricardo Eugênio Boechat nasceu em 1952, em Buenos Aires, na Argentina.
Ele começou a carreira no Rio de Janeiro em 1970, quando trabalhou para o colunista social Ibrahim Sued no hoje extinto Diário de Notícias. Em 1983, mudou-se para o jornal O Globo, até ser convidado pelo então governador do Rio, Moreira Franco, para chefiar a Secretaria de Comunicação do Estado, em 1987.
Após deixar o cargo no governo, passou pelo Jornal do Brasil e pela sucursal carioca do jornal O Estado de S. Paulo.
Desde 2006, ele trabalhava para o grupo Bandeirantes como apresentador de rádio e TV. A partir de 2015, também passou a assinar colunas na revista Istoé.
Boechat x Silas Malafaia
Em 2015, as opiniões assertivas do apresentador o puseram em conflito com o pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Malafaia chamara Boechat de “verdadeiro idiota” no Twitter por criticar pastores que estimulavam a intolerância religiosa entre fiéis.
Boechat leu o tuíte de Malafaia em seu programa de rádio na BandNews e o respondeu. “Ô, Malafaia, vai procurar uma rola, vai. Não me enche o saco. Você é um idiota, um paspalhão. Um pilantra. Tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia.” O comentário se tornou o vídeo mais visto de Boechat no YouTube, com mais de 6 milhões de acessos.
Malafaia processou Boechat, e a disputa só foi encerrada quando os dois se encontraram em uma audiência judicial e trocaram pedidos de desculpas.
O jornalista também se notabilizou por suas duras críticas contra o PT, após os escândalos de corrupção nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
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Ricardo Boechat durante gravação de entrevista na Bahia, em novembro de 2018
Jornalismo de teleprompter
Boechat exprimiu sua visão sobre o telejornalismo em um talk show no Senac Lapa Scipião, em São Paulo, em setembro de 2016. Para ele, o modelo atual de telejornais faz do telepromter o dono da notícia.
“O que está ali escrito (no teleprompter,) você lê, se parar de rodar você engasga, se não tiver ali escrito você não faz, não fala”, disse Boechat.
Em oposição a esse formato, “eu reajo às notícias como quem está assistindo pela primeira vez. Aliás, muitas vezes, eu estou realmente assistindo àquela notícia pela primeira vez. Fico indignado, irritado e não redijo comentários, falo o que me vem”.
“Acho que é a tentativa inconsciente da dessacralização da bancada. Sou contra essa coisa de colocar o âncora olhando do alto para a humanidade”, disse o jornalista.
Premiações e câncer de pele
Ao longo da carreira, Boechat ganhou algumas das principais premiações do jornalismo brasileiro, entre os quais três prêmios Esso e vários prêmios Comunique-se.
Em 2015, venceu pela segunda vez o prêmio “Os + Admirados jornalistas brasileiros” em votações realizadas entre jornalistas e profissionais de comunicação.
Idealizador do prêmio e criador do Portal dos Jornalistas, Eduardo Ribeiro diz que Boechat se destacou entre os colegas por ser capaz de combinar posturas críticas com comentários leves e bem humorados.
“Nos assuntos mais polêmicos, ele era muito duro, até de uma forma que chamava a atenção pela profundidade. Mas também tinha o lado do bom humor.”
Ribeiro lembra que, em 2015, Boechat contou no Facebook que havia retirado um câncer de pele na cabeça e divulgou uma campanha contra a doença. Apesar da gravidade do assunto, fez piada com os resultados do tratamento.
“Minha careca, como vocês podem ver, ficou zero quilômetro”, escreveu Boechat.
Colaborou Felipe Souza, da BBC News Brasil em São Paulo
Fonte:bbcbrasil.com