Por Luiz Ferreira Jr.
Ao se tratar da questão de um modelo soberano da gestão da riqueza nacional, não se pode evitar de pensar o comportamento e a influência de instituições financeiras globais e sua incidência no atual cenário de submissão do Estado brasileiro frente aos interesses de nações de primeiro mundo.
O Brasil já testemunhou, no passado, atividades de guerra econômica contra conglomerados nacionais, como foi o caso dos ataques sofridos pelo Barão de Mauá, mas também é bastante conhecida a influência estrangeira na construção do cenário bélico contra a soberania paraguaia, nos tempos de Solano López (Guerra da Tríplice Aliança), como também a guerra deflagrada através de interesses de companhias externas, entre paraguaios e bolivianos: a Guerra do Chaco, no início dos anos de 1930, entre inúmeros outros casos.
O mais recente caso, em que há indícios de guerra institucional, de comunicação e desinformação e em que muitos identificam como resultantes a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro com a prisão de Luís Inácio Lula da Silva através da operação Lava Jato, seria mais outro exemplo em que interesses e atores financeiros internacionais agem de forma direta e indireta em nossa região.
No entanto, recentemente JPMorgan Chase & Co. foi condenado nos Estados Unidos por enquadramento em artigos da Lei Rico, legislação feita no passado para desmantelar máfias e crimes relacionados a organizações criminosas. No caso dessa condenação, foi comprovado segundo a opinião judicial que três empregados executivos operaram compra falsa de ouro e prata para gerar fraudes no mercado. Como decorrência disso, segundo alguns críticos é que se deu entre outros efeitos, a crise financeira dos anos de 2008. Em maio de 2008, esta instituição comprou Beam Stearns com apoio de recursos governamentais. A partir de então, segundo se confirmou, muitos delitos de efeito contínuo (continuidade delitiva) foram identificados.
O que se relata nos círculos de especialistas estadunidenses críticos é que grupos de banqueiros têm sido beneficiados nos últimos meses por resgates financeiros diários, mais que o padrão identificado nos anos de 1987 e 2008. Os valores de liquidez naqueles anos caíram para valores abaixo do dólar. Hoje, o caso de JPMorgan, mas também outros casos e mecanismos negociais têm sido denunciados pela crítica alternativa como de maior gravidade que os que ocorreram nas crises anteriores.
Muitos que criticam a falta de regulamentação e fiscalização do sistema financeiro no período que deflagrou a crise de 2008, nos Estados Unidos, falam da ocorrência de manipulação de preços e de registros financeiros. Essa, aliás, seria uma marca presente no caso da atual condenação da JP Morgan.
Por outro lado, o mercado monetário, sobretudo nos Estados Unidos, como também o mercado financeiro global tem sido criticado por abarcar acordos de recompra com falta de recursos disponíveis de garantia dos contratos. Segundo se aponta havia e continua havendo uma crise de liquidez em um volume alto de contratos financeiros, e o governo estadunidense segue imprimindo dólares, permitindo que os efeitos desse problema não sejam percebidos de forma catastrófica. Por isso, pânico e muita desconfiança seguem ocorrendo no mercado financeiro e de fundos de mercados monetários. Esses sintomas de insegurança e medo são os mesmos que se verificaram nos anos de 1929, e que levou no passado como atualmente que muita gente viesse a retirar ou refrear seus investimentos.
Finanças, crise econômica e sua vida
A crise econômica financeira de 2008, tendo passado algum tempo, revelou diversas “irregularidades” contábeis de grandes organizações financeiras globais e assistiu posteriormente amplo subsídio governamental a estas mesmas entidades privadas. Mas viu-se também, em consequência da mesma: a redução dos juros nos países de primeiro mundo a níveis de 0%, ou negativos, como também a da expedição de cada vez maior quantidade de dólares em circulação. No meio do caminho também, a economia da Grécia e da Espanha derreteram. No entanto, a reserva federal estadunidense garante seguir colocando ainda mais dólares em circulação até outubro deste ano.
O governo estadunidense injetou (e injetará) uma certa quantidade de dinheiro sem lastro e por isso, os valores de financiamento subiram em diversos países em que estas entidades conseguiram gerar um número enorme de contratos de financiamento, com destaque para o setor imobiliário (não é que isso ocorreu somente em 2008, não. Segue ocorrendo). mas os governos, sobretudo no caso de Inglaterra tem seguido resgatando empresas do setor, enquanto Estados Unidos e outros países europeus seguem mantendo este modelo.
O Brexit, bem como diversas revoltas populares no mundo tem relação imediata com o aumento do endividamento das pessoas e a dificuldade de manter a vida dentro de um quadro em que o custo das dívidas domésticas, e de autônomos aumentam, enquanto empregos (muitos que podem tem feito dupla ou tripla jornada, inclusive no Brasil) e salários não.
No Brasil, meios de comunicação e partidos desinformam, desviam o foco e não denunciam pra valer (ser nacionalista para não ser enganado)
A desculpa de muitos países ocidentais têm se concentrado no ascenso de países como China e na demonização dos mesmos em discursos radicalizados que são difundidos pelos meios de comunicação em sua maioria. mas a verdade é que a ameaça de quebras, que podem impactar o frágil equilíbrio da economia mundial, tem relação direta com essa agenda do sistema financeiro nos últimos anos.
Uma dessas últimas ações, que fragilizam o cenário internacional, é a situação Argentina (que tal como o Brasil) por ser um país dependente na divisão internacional do trabalho e na divisão da distribuição das divisas internacionais, acabou financiou-se de forma inigualável no governo de Maurício Macri (que desde seu ingresso a Presidência da Nação Argentina até poucos meses era saudado pela imprensa nacional, e apontado por Bolsonaro como o gestor de um modelo ideal a ser observado pelo Brasil). Aliás modelo que promete seguir fazendo escola pela direita , mas também pela esquerda. Portanto, fica claro que Bolsonaro usa um discurso de confusão, mas de nacionalista não tem nada.
Independente da confusão e desinformação instaurada no país, pela esquerda e pela direita naturalmente, já se pode ver para onde isso aponta: na Argentina está ocorrendo crise monetária interna (de descontrole cambiário), falência orçamentária (para pagar contas depende de repasses do FMI) e tem metade de sua população em condições de pobreza e risco alimentar. Além disso, uma perda da autoridade do Presidente que não consegue impor suas decisões dentro de certos setores do Estado. Vários países da região já entenderam isso.
Uma crise de liquidez e crise financeira, que atinja grande parte dos países do mundo, é temida neste momento. As medidas tomadas parecem mais enxugar gelo que nada, ou algo pior… Os investidores (pessoas e países) mais bem informados têm colocado seus recursos em compra de ouro e outros metais, e não mais investido em pacotes especulativos (no Brasil, tão pouco em fundos de renda fixa – já que os juros também seguem em redução).
No meio disso, vários meios tradicionais e veículos como youtube tem limitado o alcance de informações como esta. Sobretudo porque os setores de classe média em todo o mundo e países dependentes que sofrem maiores pressões e riscos, são importantes para equilibrar esse cenário de risco.
Youtube, por exemplo, deve propor novas regras de verificação. Mas as insígnias de verificação, inclusive de pessoas com mais de 1 milhão de inscritos, segundo informaram seus dirigentes, pode ser retirada. Ademais, foi declarado, recentemente que seus algoritmos devem mudar novamente a apontar conteúdos independentes e vinculados a seus princípios e valores. Essa postura de “controle de conteúdos” no Brasil tem encontrado um aprofundamento ainda maior, uma vez que o país é fundamental para manter as condições de transferência de riqueza para essas empresas credoras internacionais, ainda que nossa população empobreça mais, ainda que nossas empresas quebrem, ainda que nossas empresas estatais sejam transferidas para salvar empresas estrangeiras (muitas delas públicas). Ou seja, aqui também há um discurso maquiado, como no caso do Brexit, o que se quer com as privatizações é garantir interesses dos de fora. Nesse cenário, os países de nossa região tem muita relevância, veja por exemplo que FMI tem 40% de seus recursos vinculados a dívida Argentina e se esse país quebrar e não puder pagar, pode ser um dos fatores de encadeamento de uma crise global sem precedentes.
Em desenvolvimento completamente diverso a essa marcada desconfiança, há no Brasil, como nos países do norte e também em outros países da América Latina, um forte estímulo ao investimento de setores de classe média para incorporar suas economias domésticas a investir em pacotes de negócios especulativos, ou seja, na bolsa de valores. Um número bastante significativo de sites de conteúdo com estímulo a investir em pacotes que os mesmos apresentam acabam sendo encontrados na internet com conselhos e com valores de vida que preparam a classe média a um cenário global que o emprego fixo remunerado é coisa do passado, e que ser investidor e empreendedor é um valor de vida. Recentemente notou-se inclusive um avanço dessa tendência discursiva em bancos públicos, como o Banco do Brasil, através de uma política de comunicação que justifica a redução de juros e inviabilidade de investimentos em fundos de renda fixa, estimulando a troca de perfil para investimentos de pacotes de risco e apresentando uma visão otimista da política econômica do governo.
O que está por trás disso?
Essa tendência ocorre porque, JP Morgan como outras instituições financeiras estrangeiras que atuam com grande volume, nos Estados Unidos e em outros países do mundo, buscam beneficiar-se da atuação combinada de recursos dos países em que se fazem presente e gerem negócios através de vínculos governamentais ou empresariais locais. No entanto, o importante a ressaltar-se é que esta situação aponta, no caso dos Estados Unidos, para certa contradição entre interesses das elites nacionais que produzem dentro dos Estados Unidos (e também setores de classe média desempregada, ou descapitalizada) e instituições bancárias. O resultado dessas contradições se expressa no conflito entre grupos apoiadores de Trump e sua política interna e externa e outros grupos associados a bandeiras políticas globais com uma visão política focada em valores (sexualidade e proteção do meio ambiente, por exemplo) mais que em questões de ordem econômica, o que lhes permite defender bandeiras que são sutilmente combinadas a políticas econômicas neoliberais agressivas.
Esta situação de tensão demonstra que os modelos de operação financeira baseados em amplitude indefinida de valores combinados com modelos matemáticos que cada vez mais se afastam dos bens e produção concreta de riqueza buscam manter seu patamar de acumulação progressiva de ganho, já que as instituições bancárias dependem disso para manter sua hegemonia econômica e política pelo mundo. é neste cenário que a terceira mais importante instituição financeira acima apontada, é condenada em fraude organizada em crime continuado, crime previsto na denominada Lei Rico.
Essa técnica que agora é a base de uma condenação de fraude, confunde-se muito com a atividade bancária dos derivativos, que cada vez mais goza de desconfiança pública, tendo levado multidões às ruas de Wall Street, no que se denominou Occupy Wall Street, ocorrido no ano de 2011. Aliás, os contratos de derivativos foram inventados tecnicamente por esta mesma instituição financeira. Este mesmo modelo de atuação do capital financeiro, baseado em papéis que combinam diferentes investimentos é a base do que tanto direita como esquerda institucionalista no Brasil defendem como objeto legítimo para gerar uma gestão orçamentária que engessa grande parte de tudo que o governo brasileiro garante por meio de uma política de limitação do Teto por 10 anos, gestada por Michel Temer, em sua Ponte para o Futuro, como também por meio da independência total do Banco Central brasileiro.
Como se explicou acima, o capitalismo financeiro está apontando como tendência combinada, pelo lobby financeiro e políticas dos estados nacionais, do uso de juros negativos aplicados ao mercado interno dos países, política imposta a diversos bancos centrais do mundo como forma de obrigar que o mercado se coloque em condições de pós mercado, ou seja, os mercados nacionais sejam baseados na retirada de riquezas através de empréstimos de médio e longo prazo que não podem buscar apoio se não por meio de formas de financiamento em papéis dominados por negócios e transações dessas instituições financeiras hegemônicas, enquanto os papéis (contratos financeiros) nacionais acabam sendo instrumento quase que exclusivo de uso dessas grandes instituições internacionais para garantir seu retorno de pagamento (extração de mais valia em condições de dependência internacional) e que utilizam esta relação para obrigar os países a pagá-los e fazer com que toda dinâmica da economia global seja retroalimentada na especulação financeira que está nas mãos dessas grandes instituições financeiras.
Você obrigado a pagar pelos outros (resultado de nossa falta de soberania).
Para manter esta roda, recentemente países de terceiro mundo como Brasil e Argentina foram colocados em condições de maior subalternidade por meio da PEC do Teto e reformas de natureza securizante (fim ou terceirização da aposentadoria pública), como também pela renovação de dívidas externas e aumento de mecanismos de especulação financeira combinada com a transferência desnacionalizando empresas em favor de um esquema transnacional e de governos centrais (privatizações). Essas bandeiras liberais acabam sendo veiculadas conforme nichos sociais (e correspondentes nichos discursivos por ongs internacionais que atuam globalmente) e que nos últimos anos tem intensificado sua ação dentro do Brasil. Da mesma maneira atuam ongs com valores conservadores combinadas a um modelo econômico ultraliberal, estas tiveram um papel importante na construção de um cenário de discurso social que levaram a queda de Dilma Rousseff, apoio permanente a operação Lava Jato, como também, a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
Estas ongs por terem a mesma proposta de política econômica ultraliberal, uma vez que são financiadas por grandes grupos econômicos, tem facilidade em deixar um eixo de direita e aparentar uma reconversão para a esquerda, como se deu nos casos recentes no Brasil do MBL, ou de youtubers como Felipe Neto, antes algoz da comunidade LGBT e recentemente convertido à defesa dos mesmos em nome da “democracia”. Esse fator híbrido e fluído dessas organizações é similar ao comportamento de recombinação de investimentos do mercado financeiro e suas organizações, e por isso também, acabam favorecendo a atividades de agenda midiática que resultam na construção combinada de ação das organizações de esquerda e da direita em um espectro total de controle ou domínio da tendência da opinião de setores sociais, o que pode gerar processos de condução performática do comportamento de grupos de influência, o que se denomina em trabalhos sobre guerra de comunicação ou desinformação. Estes atores institucionais e midiáticos atuando de forma combinada e simulando conflitos que ocultam o estabelecimento de objetivos comuns atuando de forma vertical com atores de distintos países, podem produzir efeitos de ataque a setores políticos e econômicos de um país, constitui o conceito de guerra híbrida, guerra econômica, guerra proxy, guerra por delegação, guerra assimétrica, guerra de quarta geração, guerra em rede, ou conflito não linear.
É importante considerar que as organizações criminosas mais poderosas na América Latina possuem organização complexa e descentralizada setorialmente de forma similar a operações de guerras não convencionais. É também bastante surpreendente verificar que neste mesmo ano, que JP Morgan se viu implicada em uma situação bastante constrangedora, um flagrante de tráfico de drogas em um navio de sua propriedade.
Relação de atividades do crime organizado com o tráfico de drogas
O mais preocupante neste cenário é pensar que organizações do sistema financeiro possam ter vínculo com práticas de narcotráfico e atividades bélicas, o que infelizmente se evidencia em outro flagrante de delito, recentemente observado. Segundo se fez conhecer amplamente em diversos jornais pelo mundo, e conforme noticiou o canal digital Exame.Abril: “Um navio de carga apreendido por autoridades norte-americanas em junho, com 18 toneladas de cocaína, era controlado pelo banco JP Morgan Chase. A embarcação estava ancorada perto do porto de Filadélfia, na Pensilvânia, Estados Unidos e foi detida pelas autoridades de alfândega. O banco não tem relação com a operação da embarcação, mas sua compra foi patrocinada por um fundo do JP Morgan Chase, o JP Morgan Asset Managment. Até o momento, o banco não se pronunciou sobre o caso. O navio estava arrendado para a suíça Mediterranean Shipping Company, uma das maiores empresas de transporte de containers, e era operado por ela. Ele navegava sob a bandeira da Libéria, país no oeste africano, entre Costa do Marfim e Serra Leoa….”. Esta embarcação teria saído de um porto do Chile e teve sua apreensão efetivada em território estadunidense. Em pouco dias de diferença se deu a interceptação de tráfico de drogas dentro da comitiva presidencial de Bolsonaro, quando passava por território espanhol.
Estas estranhas imbricações, ainda que não correspondam a nenhum enlace comprovado definitivamente sobre o envolvimento direto dessas instituições bancárias e governamentais em processos criminosos de narcotráfico e lavagem de dinheiro, nos faz recordar que empresas de renome internacional do sistema financeiro e políticas de Estado possuem atividades dessa natureza registradas historicamente, a exemplo do HSBC em casos em que foi acusado de relação com atividades ilícitas e relação com narco negócios, como também a conhecida política do Império Inglês de submetimento imperial da China através das Guerras do Ópio (trataremos com detalhes esta questão no próximo artigo).
Para finalizar, apresentamos a seguir um gráfico que apresenta, de forma bastante resumida, dinâmicas de ações criminógenas incorporadas a atividades do sistema financeiro e como as mesmas possuem complementaridades lógicas. Esta atuação é mais ou menos dinâmica a medida que agentes governamentais e de instituições legais abrem espaço para atuação de dinâmicas não legais, ou ilegais. E ademais, dinamiza-se a medida que o Estado se faça fragilizado em sua ação fiscalizadora. No cenário atual de crise institucional no país, e de vários indícios de fortalecimento e unificação de setores do crime organizado no Brasil, principalmente PCC e Comando Vermelho, parece ser mais que necessário que todos tenham entendimento deste processo. Veja o gráfico a seguir:
Em um próximo artigo, apresentaremos um ensaio sobre o narcotráfico e sua relação complementar (inclusive oficialmente) com as atividades estatais. Apresentaremos também casos históricos em que ele foi parte do manejo de ações de guerra econômica.
Luiz Ferreira Júnior é advogado, Mestre em Direitos Humanos – Universidade de San Martín (Argentina) e Mestre em Comunicação Midiática – UNESP.