Soneto da morte sem susto

Minha única certeza é minha morte. Virá festiva, com pendões vermelhos, Provocadora com seu riso forte Mas me verá de pé, não de joelhos.

Foto: Xando Pereira
Sábado, 28 de Março de 2020 – 05:01

por João Carlos Teixeira Gomes


Soneto da morte sem susto

Minha única certeza é minha morte.
Virá festiva, com pendões vermelhos,
Provocadora com seu riso forte

Mas me verá de pé, não de joelhos.

Pode vir de mansinho a forasteira
Ou numa orgia de ossos e fanfarras,
Com dois laços de fita na caveira
E o ágil chocalhar das finas garras.

Eu que os mares amei, e o sol tirânico,
Os flavos grauçás de dorso enxuto,
As moças de maiô e o vento atlântico,

Sereno hei de esperá-la em meu reduto.
E assim ao ver-me, sem sinal de pânico,
A própria morte se porá de luto.

 

Soneto da perdição

Deu-me um deus de legado o tempo escasso
e o anseio de ret?lo em urdiduras.
Murcham flores nos campos por que passo
exilado em angústias j?maduras.

O que sou não sei bem, nem o que faço.
Débil luz entrevejo nas clausuras
das fatais emoções em que desfaço
a antiga vocação das coisas puras.

Viajante que perdeu os seus roteiros
por querê-los que ando em desatino
sob o cerco de demônios traiçoeiros.

Nau fendida que busca o porto vasto,
quanto mais de meus rumos me aproximo
mais sinto que de mim próprio me afasto.

 

Soneto da perene magia

Sobre ti choverão meus toscos versos,
em louvor da beleza fugidia.
Do tempo hão-de dobrar os mais perversos
logros, que te ensombram o claro dia.

Se a vida é um roteiro sem reversos,
minha escrita te será plena alegria,
pois a todos lembrará, aqui emersos,
os enredos que te eram galhardia.

Sempre eterna te será a juventude,
mais nas rimas que em bronze dissoluto,
contra o qual se compraz o tempo rude.

Pois rendido ao encanto que te adorna,
plantarei com paixão, neste reduto,
o instante da magia que não torna.

Maio

Sitiado fui por maio, em pleno outono,
Sob o fascínio das coisas amarelas.

E despertando enfim de um longo sono

Carpi o amor em ritmo de procelas.

 

Amor que é mais amor tem uma sina:

Explode em flama, em dor, em violência.

Se é maior no sofrimento nos ensina

Que mais lúcido é, quando em demência.

 

Era maio o grande mês contraditório.

Pois se em tudo que existia ele tocava

Com seu manto ourescente e ilusório

 

Só em mim uma exceção à regra abria:

Tanto mais o meu outono se dourava

Mais rubro, no meu peito, amor ardia.

 

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