Deputada que se elegeu pregando a renovação da prática política contratou Daniel Alejandro Martínez para ‘análises estratégicas’ e atendimento aos eleitores
Por Machado da Costa, João Pedroso de Campos
“Renovação na política não passa por trocar o nome das coisas nem o rostinho no poder, mas por uma mudança de práticas.” A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) é a autora dessa frase. Ela foi proferida em uma entrevista a VEJA, publicada na edição 2.029, de 10 de abril de 2019, que marcou os 100 primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro. A deputada, que enfrentara havia poucos dias o então ministro da Educação, Ricardo Vélez, em uma sessão na Câmara, emergia como um dos principais expoentes da “nova política”. Sua bandeira pela educação trouxe atenção à sua atuação. No entanto, nada mais de velho na política do que a contratação de parentes ou amigos. Tabata não fugiu dessa armadilha. Durante a sua campanha, com dinheiro do fundo partidário, pagou 23 mil reais ao namorado, o colombiano Daniel Alejandro Martínez, que conheceu na prestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Procurada pela reportagem, a parlamentar se esquivou. VEJA tentou contato por meio de seu celular, de sua assessoria, bateu em seus gabinetes em Brasília e São Paulo e foi até sua casa, na Zona Sul da capital paulista, sem sucesso. A única resposta veio em uma nota protocolar, enviada pela equipe de comunicação, semelhante às várias enviadas por outros políticos envolvidos em escândalos recentes. “A campanha da Tabata Amaral cumpriu as leis eleitorais na contratação de seus serviços e pessoas. Todas as informações são públicas e estão no portal do TSE.”
O registro do pagamento está, de fato, no site do Tribunal Superior Eleitoral. Foi lá, inclusive, que VEJA detectou o pagamento ao namorado. O contrato protocolado na Justiça eleitoral prevê que Martínez deveria prestar “serviço de análises estratégicas para a campanha eleitoral”. O documento determina inclusive o local e horário de trabalho: Avenida Agami, 40, das 9h às 18h, em São Paulo. No local funciona um coworking, um escritório compartilhado por diversas empresas e empreendedores, que nunca serviu de comitê para Tabata. O comitê fica no bairro da Saúde, distante 15 quilômetros do local de trabalho de Martínez. Um dos pedidos feitos à equipe da deputada foi a apresentação do resultado do serviço prestado por Martínez. Ele foi a quarta pessoa física que mais recebeu dinheiro da campanha da então candidata. Os três primeiros — Laiz Soares, Daniel Machado Batista e Karina de Brito Tavares — trabalham hoje com a parlamentar em Brasília. A quinta pessoa que mais recebeu foi Josiane Trevisan Fauro, responsável por organizar a agenda de Tabata durante as eleições. Os trabalhos desenvolvidos pelos quatro são facilmente rastreáveis. O de Martínez, não. Ele, durante a execução do contrato, ainda recebeu uma promoção. Desde o início, seus trabalhos seriam prestados entre os dias 17 de agosto e 6 de outubro de 2018 — um dia antes da eleição. Por esse serviço, ele receberia 17.100 reais. O contrato foi assinado por Stefani Martins Pereira, procuradora de Tabata à época e atual funcionária de seu gabinete. Em 10 de setembro, um aditivo em seu contrato, também assinado por Stefani, elevou a remuneração a 23.050 reais pelos 50 dias de trabalho. Ele, que, em 2018, passou a estudar português se tornou responsável pela central de atendimento aos eleitores, de acordo com documento enviado à Justiça Eleitoral pelo escritório Braga Nascimento e Zilio, que assessorou a parlamentar.
Martínez é formado em estudos sociais por Harvard e é bolsista da Michael C. Rockefeller Memorial Fellowship, um centro de pós-graduação mantido dentro da universidade por doadores ligados à família Rockefeller. Segundo o perfil de Martínez, ele está no Brasil para “passar tempo” com comunidades desfavorecidas e diversificadas étnico-racialmente. “Imagino minha jornada como uma combinação de experiências de convivência com povos indígenas, afro-brasileiros e comunidades camponesas; navegando na Amazônia; ficando com famílias locais; e me voluntariando para trabalhar com organizações locais”, diz seu perfil. VEJA procurou Martínez, mas sem sucesso. De acordo com o advogado eleitoral Fernando Neisser, não é crime empregar parceiros, cônjuges ou até familiares durante a campanha — depois de eleito, sim. O crime está no fato de pagar por serviços que não foram prestados. Neste momento, não é possível afirmar, portanto, que Tabata cometeu irregularidade, mas apenas que os resultados do serviço prestado por Martínez não podem ser checados e não foram apresentados pela parlamentar.