Tribunal nega recurso de Trump e o proíbe de bloquear críticos no Twitter

Corte decide que, uma vez que presidente usa rede social para conduzir decisões de governo, não pode impedir acesso a suas mensagens; no Brasil, Bolsonaro baniu jornalistas

O presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca nesta terça-feira Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS
Corte decide que, uma vez que presidente usa rede social para conduzir decisões de governo, não pode impedir acesso a suas mensagens; no Brasil, Bolsonaro baniu jornalistas
O presidente americano, Donald Trump , viola a Constituição dos Estados Unidos ao bloquear pessoas que o criticam ou debocham de suas mensagens nas redes sociais, decidiu um tribunal federal americano nesta terça-feira, ao examinar um recurso do ocupante da Casa Branca contra uma decisão de um ano atrás. A sentença pode ter implicações mais amplas sobre como a Primeira Emenda da Constituição americana, que versa sobre a liberdade de expressão, se aplica às redes sociais.

Os três juízes do tribunal de apelações decidiram unanimemente que, uma vez que Trump usa o Twitter para anunciar decisões relacionadas ao governo, ele não pode impedir cidadãos americanos de terem acesso às suas mensagens nem tampouco de responderem a elas, mesmo se de forma crítica ou jocosa.

Primeira Emenda proíbe uma autoridade que usa uma rede social para tratar de assuntos de governo de excluir pessoas e inviabilizar “um diálogo on-line aberto”, mesmo se disserem coisas das quais a autoridade discorda, escreveu em sua decisão o juiz Barrington D. Parker.

O juiz acrescentou que a conduta do governo e de seus funcionárioss está sujeita hoje a um “debate amplo e robusto” que “gera um nível de paixão e de intensidade que raramente foram vistos antes”.

A sentença confirmou decisão de maio de 2018 de um tribunal distrital que também considerou inconstitucional a prática de Trump de bloquear seus críticos em sua conta no Twitter . Após aquele veredicto, a Casa Branca desbloqueou as contas específicas dos reclamantes, mas não outros usuários que não estavam envolvidos no caso, e recorreu do veredicto.

A primeira sentença foi emitida depois que um grupo de usuários do Twitter e o Instituto Knight Primeira Emenda  da Universidade Columbia entraram com uma ação na qual acusaram Trump de censurar comentários de seus opositores políticos. Os críticos, que incluem um professor da Universidade de Maryland, um oficial de polícia do Texas e um humorista de Nova York, disseram que foram bloqueados pela conta do presidente @realDonaldTrump depois de criticarem políticas do republicano no Twitter.

Durante o julgamento, Trump alegou que não está atuando de forma oficial quando bloqueia usuários, argumento desconsiderado pela Justiça.

“O presidente e vários membros de seu governo descreveram seu uso da conta como oficial”, afirmou o tribunal de apelação. “Concluímos que a prova da natureza oficial da conta é incontestável. Também concluímos que, uma vez que o presidente escolheu uma plataforma e abriu seu espaço interativo para milhões de usuários e participantes, não pode excluir seletivamente aqueles com pontos de vista com os quais não está de acordo”, completou o tribunal.

“Esse debate, por mais desconfortável e desagradável que possa ser, não deixa de ser uma coisa boa”, escreveu o juiz Parker. “Ao julgar este recurso, lembramos aos litigantes e ao público que, se a Primeira Emenda significa alguma coisa, ela significa que a melhor resposta a declarações desfavoráveis em assuntos de interesse público são mais declarações, e não menos.”

O Departamento de Justiça não comentou imediatamente a decisão. Já Jameel Jaffer, diretor do Instituto Knight Primeira Emenda da Universidade Columbia, que representou o grupo de usuários do Twitter que foram bloqueados por Trump, elogiou-a. Ele disse que as contas em redes sociais dos funcionários públicos estão entre os fóruns mais importantes para o público discutir a política do governo.

 

— A decisão garantirá que as pessoas não sejam excluídas desses fóruns simplesmente por causa de seus pontos de vista, e que as autoridades públicas não transformem esses espaços digitais em câmaras de eco — disse Jaffer. — Isso ajudará a garantir a integridade e a vitalidade dos espaços digitais, que são cada vez mais importantes para a nossa democracia.

Anúncios oficiais via Twitter

A conta do Twitter de Trump tem quase 62 milhões de seguidores, e ele costuma usá-la para fazer pronunciamentos políticos e se comunicar com o público, alimentando o ciclo noticioso.

Na semana passada, por exemplo, Trump usou o Twitter para anunciar abruptamente que o governo ainda tentaria acrescentar uma pergunta ao Censo de 2020 sobre a nacionalidade das pessoas, revertendo o que autoridades do seu governo tinham dito antes a um tribunal.

Seus posts rotineiramente geram dezenas de milhares de respostas, em que as pessoas retrucam o que ele disse e debatem entre si.

A ação argumentava que a conta de Trump equivalia a um fórum público — uma “Câmara digital” — e que sua decisão de bloquear usuários seletivamente porque ele não gostou do que disseram constituiria uma discriminação inconstitucional contra pessoas que pensam diferente.

A equipe jurídica de Trump argumentou, entre outras coisas, que ele operava a conta apenas a título pessoal, e também tinha o direito de bloquear quem ele quisesse por qualquer motivo, inclusive porque os usuários o irritavam criticando ou zombando dele. Mas o tribunal de apelações discordou, dizendo que ele estava claramente agindo em sua capacidade do governo no Twitter.

“Não estamos convencidos”, escreveu o juiz Parker. “Concluímos que as provas da natureza oficial da conta são esmagadoras. Também concluímos que, uma vez que o presidente tenha escolhido uma plataforma e aberto seu espaço interativo a milhões de usuários e participantes, ele não pode excluir seletivamente aqueles de cujos pontos de vista ele discorda.”

Semelhança com o Brasil

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro bloqueou, no dia 22 de dezembro de 2018, a conta do Twitter do jornalista e editor-executivo do site  “The Intercept”, Leandro Demori, e também de outros jornalistas do mesmo veículo.

Na época, o filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, que também tem o hábito de bloquear jornalistas e críticos e tem influência nas redes sociais do pai, comentou o bloqueio atacando o PT.

“O PT tenta desde 2002 controlar todos os meios de comunicação. Em 2018, o controle da mídia e internet também estava em seu plano de governo. Mas Bolsonaro é que é acusado de querer calar a imprensa porque bloqueou um militante esquerdista mal educado em seu perfil pessoal. Piada!”, escreveu Carlos.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também tem bloqueado ONGs e ativistas ambientais no Twitter, assim como o da Educação, Abraham Weintraub.

Na semana passada, um grupo de 111 advogadas protocolou um mandado de segurança contra  Weintraub, exigindo o desbloqueio imediato da professora e pesquisadora Debora Diniz no Twitter. Eles argumentam que o Twitter oficial de um agente público do alto escalão do governo como o ministro da Educação não é apenas uma conta pessoal, mas um canal de diálogo direto com os cidadãos.

Em junho, a Associação Mundial de Jornais e Publishers de Notícias (WAN-IFRA, na sigla em inglês), que reúne 3.000 editores e empreendedores de tecnologia, criticou a atitude da família Bolsonaro de bloquear jornalistas em redes sociais, o que, alegou, tenta reproduzir “o esforço do presidente americano Donald Trump de desacreditar o papel da imprensa na democracia”.

“Tais atitudes buscam criar um conflito com os fatos e minar a legitimidade da imprensa profissional em um cenário em que governos populistas e seus apoiadores têm encorajado o descrédito de qualquer narrativa que não vá ao encontro de suas visões de mundo”, afirmou em nota.

 

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