UE proíbe 30% dos ingredientes de agrotóxicos liberados no Brasil em 2019

Dos 96 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos liberados no Brasil neste ano, 28 não são liberados ou registrados na União Europeia, 36 na Austrália, 30 na Índia e 18 no Canadá, segundo levantamento da reportagem.

Foto: Reprodução/Getty Images

por Júlia Zaremba e Phillippe Watanabe | Folhapress

Dos 96 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos liberados no Brasil neste ano, 28 não são liberados ou registrados na União Europeia, 36 na Austrália, 30 na Índia e 18 no Canadá, segundo levantamento da reportagem.

A reportagem comparou o Brasil com seis dos dez maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo, com base em relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura): Argentina, Austrália, Canadá, EUA, Índia e União Europeia.

Nenhum deles liberou ou registrou todos os 96 ingredientes -o mais similar são os EUA, que têm 93 deles.

O nível de toxicidade tolerado em cada país, o interesse comercial no produto e as condições climáticas são fatores que explicam a diferença. A comparação foi feita a partir dos ingredientes dos pesticidas, que são os compostos analisados no registro e na liberação dos produtos.

Neste ano, foram registrados 325 agrotóxicos no Brasil, de acordo com dados do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Desses, mais de 60 foram liberados na última semana. Se a lista é parecida com a americana, em relação à União Europeia há uma grande discrepância: cerca de um terço dos ingredientes usados aqui não são liberados lá.

O acefato (contra pragas) e a atrazina (contra ervas daninhas), dois dos componentes de agrotóxicos mais vendidos no Brasil, são alguns exemplos de substâncias que não podem ser usadas na Europa.

O primeiro já foi associado a casos de câncer, toxicidade reprodutiva para humanos e efeitos neurotóxicos, o que levou a Anvisa a adotar novas regras para seu uso em 2013. A aplicação manual foi proibida.

A análise para liberação de agrotóxicos é hoje dividida entre Mapa (que avalia a eficácia dos produtos), Anvisa (que analisa impactos na saúde) e o Ibama (que checa riscos ao meio ambiente).

Segundo Renato Porto, diretor de autorização e registros sanitários da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o processo de autorização influencia nas diferenças de registros entre os países.

No Brasil, uma vez concedida a autorização, ela é válida por tempo indeterminado até que seja requisitada uma reavaliação. Em outros países, os registros têm de ser renovados.

“Dependendo do interesse da empresa, ela não vai pagar pelo registro do agrotóxico que no Brasil é barato e em outros lugares do mundo é muito mais caro”, diz Porto.

Ele diz que a Anvisa costuma acender o alerta vermelho quando há notícias de que um ingrediente é suspeito de causar câncer, mutações ou malformações. Se tal composto estiver registrado no Brasil, passa por uma reavaliação.

Hoje, há sete ingredientes na fila para reavaliação. São eles: tiofanato metílico, clorpirifós (ambos registrados em todos os países analisados pela reportagem), clorotalonil (banido neste ano na União Europeia), linurom, procimidona, epoxiconazol e carbendazim.

Porto diz que o Brasil usa agrotóxicos de forma equilibrada e que a população não corre riscos com possíveis resíduos em alimentos. Ele afirma que hoje a principal preocupação da Anvisa é com agricultores que entram em contato direto com pesticidas.

Em julho deste ano, pesquisa do Datafolha mostrou que 78% dos brasileiros consideram agrotóxicos inseguros para a saúde humana e  72% avaliam que os alimentos produzidos no Brasil têm mais agrotóxicos do que deveriam.

A Organização Pan-Americana da Saúde estima que o uso de agrotóxicos e substâncias químicas nocivas esteja relacionado a cerca de 193 mil mortes por ano no mundo. A maior parte se dá por contaminações durante a aplicação dos produtos e dispersão pela água e pelo ar.

“No Brasil, é um problema sério considerando que a população rural é pouco assistida. Não se usa equipamento de proteção individual”, diz Eloisa Dutra Caldas, pesquisadora de toxicologia da UnB (Universidade de Brasília).

Ela diz que todo agrotóxico tem algum nível de toxicidade e que o risco depende do nível de exposição. “Para consumidores de alimentos o risco é baixo. O Brasil tem níveis comparáveis a outros países.”

O clima do Brasil, que favorece a proliferação de insetos e outras pragas, e o tamanho de seu território e da atividade agropecuária, influenciam na liberação, diz Osmar Malaspina, professor do departamento de biologia da Unesp.

“Em muitos países europeus, há meses de frio e as pragas morrem. Quando chega o verão, não dá nem tempo de se espalhar”, diz.

Para Larissa Mies Bombardi, geógrafa da USP e autora de “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, somos mais permissivos em relação aos produtos que usamos no campo, assim como outros países da América Latina.

“A nossa posição subalterna na economia mundial é clara na questão dos agrotóxicos. Somos muito mais permissivos com o que usamos e com o quanto usamos, desde aquilo que é usado no campo até os resíduos que permitimos nos alimentos e na água”, diz ela.

Ela cita como referências no controle os países nórdicos e a Áustria, primeiro país da União Europeia a proibir o uso do glifosato (que combate ervas daninhas) devido ao potencial cancerígeno. “Mesmo países mais liberais têm mecanismos de controle de agrotóxicos mais eficazes.”

Os novos registros no Brasil atingiram o maior patamar, em ao menos 13 anos, em 2018, quando foram liberados 451 produtos para venda no mercado ou uso industrial.

O país, contudo, ocupa a 44ª posição no ranking sobre uso de defensivos agrícolas da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

A liberação de agrotóxicos tem pautado discussões na Câmara dos Deputados. Tramita na Casa um projeto de lei que afrouxa regras sobre uso, registro e fiscalização de agrotóxicos. O texto, de autoria do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, está pronto para ir a votação no plenário.

Críticos da proposta afirmam que ela gerará riscos à saúde da população, enquanto apoiadores dizem que a legislação atual, de 1989, é defasada e impede a chegada de produtos mais seguros.

O Mapa atribui a grande liberação a “ganhos de eficiência” de medidas desburocratizantes. Hoje, há 2.000 produtos na fila para ser avaliados. O prazo legal para avaliação é de quatro meses mas, segundo a pasta, alguns estão há mais de oito anos na fila.

A Anvisa diz que está acelerando registros de agrotóxicos com o objetivo de modernizar os pesticidas disponíveis e diminuir os níveis de toxicidade presentes no país.

O Mapa afirmou ainda que “cada país tem suas próprias diretrizes sobre registro de produtos, dependendo das condições agronômicas” e que o Brasil segue parâmetros internacionais para aprovar novos registros.

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