Coordenador da Luta Antiterrorista da UE propõe a criação de um ciberlaboratório liderado pela Europol para combater as novas ameaças
BERNARDO DE MIGUEL
O Conselho de Ministros de Interior da União Europeia (UE), que se reúne nesta sexta-feira em Luxemburgo, analisará as implicações para a segurança que a iminente implantação da quinta geração de telefonia móvel (o chamado 5G) provocará. E o panorama, juntamente com o esperado desenvolvimento da inteligência artificial, é alarmante e preocupante segundo o relatório elaborado para a reunião pelo coordenador da Luta Antiterrorista da UE, Gilles de Kerchove.
As novas redes, cuja implantação pode ficar nas mãos da empresa chinesa Huawei, poderiam facilitar o surgimento de um terrorismo com novas feições e, previsivelmente, muito mais letal. De Kerchove propõe a criação de um ciberlaboratório liderado pela Europol, a agência de segurança da UE, e especializado em analisar e combater as novas ameaças.
A urgência de agir parece evidente, segundo o documento que chegará à mesa dos ministros. O texto adverte que a mudança tecnológica em curso pode alterar completamente o atual quadro de segurança pública e poderia provocar “uma mudança em direção à privatização da segurança ou poderiam surgir novas formas de terrorismo”. E enfatiza que “a vulnerabilidade dos cidadãos, das economias e dos Governos aumenta proporcionalmente à sua conectividade e interdependência e poderia disparar com a chegada do 5G e dos aparelhos interconectados”.
Kerchove alerta os ministros de que a vulnerabilidade de dados já representa um dos maiores riscos da economia relacionada à inteligência artificial. “E em breve os computadores quânticos serão capazes de decifrar qualquer criptografia, a biologia sintética permitirá recriar vírus fora dos laboratórios e do corpo humano e os aparelhos interconectados poderão se tornar armas”, de acordo com o documento que servirá de base para o debate do conselho de ministros da UE, que contará com a presença do titular espanhol em exercício, Fernando Grande-Marlaska.
O sinal de alarme chega em plena disputa entre a Europa e os Estados Unidos sobre a possibilidade de a empresa chinesa Huawei, líder em 5G, liderar a implantação das infraestruturas da nova tecnologia. Washington, que vetou a Huawei por sua suposta relação com o Governo chinês, exige que os países da UE impeçam que a empresa chinesa tenha acesso e controle de suas redes.
A Administração Trump afirma que o 5G poderia dar a Pequim uma poderosa arma de dominação sobre a economia e a sociedade do Velho Continente. Países como a Alemanha e o Reino Unido desdenharam das advertências de Trump e se recusam a romper relações com a Huawei por medo de que a implantação das novas redes atrase dois ou três anos.
O documento do coordenador da Luta Antiterrorista da UE não menciona a Huawei. “Não se trata de apontar para uma empresa específica, que hoje pode ser chinesa e amanhã russa”, justifica uma fonte diplomática. Mas a omissão do nome da gigante asiática que lidera a tecnologia 5G não impede que sua sombra paire sobre o repentino alarme da UE e os planos para combater as novas ameaças.
De Kerchove propõe que o futuro ciberlaboratório tenha a colaboração, sob a liderança da Europol, da Agência Europeia de Fronteiras (Frontex), da Agência Europeia para a Cooperação Judiciária Penal (Eurojust) e da Agência de Cooperação Policial (CEPOL), o que dá uma ideia da envergadura e do alcance que o novo organismo poderia atingir.
O modelo a seguir seria a agência norte-americana conhecida como DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), fundada em 1958 (como ARPA) e que é considerada uma das fontes da revolução tecnológica que levou ao nascimento da Internet. Seu trabalho, de acordo com o relatório de De Kerchove, “resultou em grandes conquistas industriais e tecnológicas tanto na esfera civil quanto na militar”.
O presidente francês, Emmanuel Macron, já propôs em 2017 uma réplica europeia da DARPA, que batizou de Agência Europeia de Pesquisa e Desenvolvimento de Novas Tecnologias. Esse organismo começa a ganhar corpo com um relatório que detalha as funções que deveria assumir.
Kerchove propõe aos ministros que a nova agência se encarregue de avaliar os riscos e possibilidades das novas tecnologias, de criar um “lago de dados compartilhados” com os quais testar instrumentos de inteligência artificial, realizar simulações de ataques cibernéticos e facilitar o uso de dados em casos de necessidade de forma compatível com as exigências de privacidade dos usuários ou de segurança das empresas de Internet.
“É vital que a UE decida as tecnologias nas quais deseja desempenhar um papel de liderança nos próximos cinco ou dez anos e que tome as medidas necessárias para cumprir esse objetivo”, recomenda o documento do coordenador da Luta Antiterrorista da UE. O texto também defende que “a UE precisa recuperar a soberania sobre seus dados”. E lembra que hoje muitas empresas europeias, especialmente aquelas especializadas em reconhecimento facial, testam seus algoritmos na China porque no país asiático o acesso a dados é mais fácil.